DEIXAREI SAUDADE − 192

Postado por e arquivado em 2022, DÉCADA DE 2020, FOTOS.

Depois de décadas de existência, a maior honra que tenho é estar vivendo há tanto tempo ao lado dessa colega de paredes amarelas à minha direita¹. Ela é mais velha que eu muitos anos, não sei ao certo. O que me emociona é ela estar ainda de pé no meio de tanta transformação física, não só nessa rua², mas em toda a Cidade. Refiro-me à nossa substituição por edifícios. Por isso fico admirada por essa minha vizinha anciã ainda não ter sido transformada em escombros. E nessa, a admiração recai sobre mim. Nota-se que minha arquitetura é diferenciada, fui erguida com mais esmero que as outras. Mas é só um detalhe, pois para uma casa ser transformada em edifício em nome do progresso pouco importa seu estilo. Quando o progresso chega, danem-se todas, não há dó e muito menos piedade. Pode parecer que não estou preocupada com meu futuro. Pura ilusão. Já faz um bom tempo que minhas paredes e acessórios começaram a lembrar de cinco ou seis casas nesse quarteirão que se transformaram em edifícios. Quando derrubaram a minha colega logo ali em frente³ para, óbvio, ceder lugar a mais um edifício, confesso que tremi nas bases. Estou acompanhando desde início a obra, que já está perto dos finalmente, e a cada avanço que aconteceu senti uma sensação estranha sobre a minha existência, sobre todos os longos anos em que aconcheguei tantas almas. Não há salvação para mim, para nenhuma de nós, ante a voracidade do progresso. A História de Patos de Minas há de reter em sua memória essa minha existência. E quando as máquinas chegarem com o intuito de me reduzirem a pó, deixarei saudade.

* 1: Leia “Sobre o Chiquinho Pereira”, “Residência da Família de Chiquinho Pereira e Vovó Nenen”, “Antigo Beco do Chiquinho Pereira”.

* 2: O imóvel localiza-se na Rua Afonso Pena pouco depois da Praça Antônio Dias.

* 3: Leia “Deixarei Saudade − 48”. O imóvel foi demolido no final de 2018 e hoje o edifício de seis andares está em fase de acabamento.

* Texto e foto (09/02/2022): Eitel Teixeira Dannemann.

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