DEIXAREI SAUDADE − 189

Postado por e arquivado em 2022, DÉCADA DE 2020, FOTOS.

Eu tenho muito que dizer a meu respeito. Ao mesmo tempo não sinto nenhuma vontade de falar a meu respeito. Poderia dizer um mundaréu de coisas sobre quando surgi e como surgi numa época em que por aqui¹ a maioria dos imóveis era de uma simplicidade assustadora. Não sinto nenhuma vontade de falar a meu respeito porque surgi sobre os escombros de um desses imóveis simplórios… quer saber, vou dar um desabafozinho, pois tadinho, por mais simplório, era um imóvel como eu, e eu ocupei o seu lugar. E ocupando o seu lugar, mesmo com minhas estruturas recém-construídas, fiquei entre a minha lástima e a alegria de meus construtores. Então, o tempo foi passando, e a lástima por ter ocupado o lugar de outra foi se apaziguando. Assim, vivi muitos anos de alegria com a movimentação dentro de mim. Nem mais me lembrava daquela que arrancada de sua existência me cedeu o seu lugar. Eu estava feliz com a minha existência, não por ser um palacete, mas simplesmente por estar sendo o teto de algumas almas. Até que, não mais que de repente, me vi sem ninguém dentro de mim. Silêncio cruel. Cadê as almas que me habitavam, que transbordavam de felicidade o meu viver como imóvel? Assim, solitária, só me restou apreciar o que acontecia em meu entorno, o que eu nunca tinha feito. E isso me assustou, causou-me uma crise paredal enorme, pois percebi que vários imóveis estavam cedendo lugares para edifícios. Encruei todos os meus rebocos, chegando a estalar janelas e portas. E a partir de então, estou aqui nessa solidão esperando o que vai acontecer comigo. Demolida? Será que aquela árvore podada ao extremo à minha frente com a véia da foice a lhe espreitar é um sinal? Se assim for, que seja, entrarei para a História de Patos de Minas. E, o mais importante, deixarei saudade!

* 1: O imóvel localiza-se no Bairro São Francisco, no número 274 da Rua Sérgio Pereira em frente a uma pracinha (Leia “Pracinha Sem Nome no Bairro São Francisco − 2”).

* Texto e foto (25/01/2022): Eitel Teixeira Dannemann.

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