Com mil trovões, pelo coelhinho da Mônica, pelos macucos do Cascão, pelas carretas na Rua Major Gote, sei lá por onde começar a falar da minha existência. Carrego um trauma comigo, o trauma de existir sobre quem existiu. Uma semelhante existiu aqui¹. Derrubaram-na, e sob a sua existência arquitetaram a minha existência. Dizem que só o amor e a arte tornam a existência tolerável. Derrubaram a minha semelhante por amor ou arte? E construíram-me sobre ela por amor ou arte? Justificou a existência dela? Justifica a minha existência? Ô disgrama, mil vezes disgrama, a existência é tudo, é a essência da vida, mesmo após a morte, pois minha semelhante se foi em plena existência e continua existindo em seus construtores. Hoje quem existe sou eu, as almas que me habitam usufruem dessa existência num amplexo com as suas existências. Há dentro de mim um sabor amargo de locupletação, pois surgi em detrimento de minha semelhante. Ô sentimento fedazunha, que atormenta minhas estruturas tão bem cuidadas. Mereço isso? Vou considerar que sim, considerando a consideração de meus construtores. Quero esquecer tudo, quero viver a minha existência enquanto ela exista, pois sinto cheiro de pó, pó de demolição, pó da desgraça, pó do fim da existência. Vem-me então a angústia que sentiu aquela que existiu sob mim quando percebeu o seu fim. Vejo edifício à minha frente, atrás, à esquerda, à direita. É a existência do fim, o fim da existência que vou sentir em breve, a mesma que sentiu a que aqui existiu. Ela se foi, sem registro, mas está na História de Patos de Minas. Eu me vou não demora muito, mas registrada na História de Patos de Minas, e, como ela, deixarei saudade!
* 1: O imóvel localiza-se à Rua 31 de Março, entre as suas colegas Mata dos Fernandes e Oscar de Sousa.
* Texto e foto (17/11/2019): Eitel Teixeira Dannemann.