E as águas vieram com força no janeiro de 2022. Há muito tempo não chove o suficiente para transbordar tanto o nosso Rio-Mor. A memória diz que a última extremada chuvarada foi em 1992. De lá para cá aconteceram outras enchentes, mas longe da atual, esta com um fator inesperado. No intervalo de um mês o Rio Paranaíba saltou furioso de seu leito e provocou alagamentos enormes, desalojando de suas casas muitas famílias. Quando baixou, eis que poucos dias após ele resolveu repetir a ira contra aqueles que desmataram as suas matas ciliares para se instalarem em seu terreno sagrado.
Aí então formou-se uma trinca tétrica nesse início de ano: nova onda de Covid-19, nova onde de gripe e as enchentes. Como consequência, um desequilíbrio emocional tomou conta da população a ponto de afetar até um contumaz etílico frequentador das paragens do Mercado Municipal, um dos pontos estratégicos preferidos por esses bebuns. Outro ponto muito apreciado por eles é no entorno da Rodoviária.
No final de janeiro, com as torneiras do céu ferozmente abertas, dez horas da manhã de uma segunda-feira, um exemplar fulustreco da citada matilha etílica estava sentado debaixo de uma marquise na esquina da Rua Agenor Maciel com sua colega Ana de Oliveira olhando para tudo quanto é lugar sem a gente saber para qual lugar ele estava mais interessado. De repente, ele se pôs de pé abruptamente e escorado na parede, apontou para o miolo da esquina e danou a gritar no tradicional dialeto manguaçês, aqui devidamente traduzido para facilitar a leitura:
– Parem com isso, parem com isso…
Assim ficou por longo tempo, o suficiente para chamar a atenção de muita gente que não entendia bulhufas o porquê daquela atitude:
– Decidam logo, decidam logo, tenho mais o que fazer…
E a água caindo com força. E as enxurradas se esbaldando nos asfaltos. E o ébrio colérico:
– Suas fedazunhas, vão pra onde quiserem que não vou ficar aqui esperando vocês se decidirem.
Com muito custo, conseguiu virar o corpo escorado na parede e estava prestes a sair do local para sabe-se lá onde se dirigir quando um curioso resolveu perguntar:
– Moço, por que você está apontando para o meio da esquina e falando para eles se decidirem? Eles quem e decidirem o que?
Sentindo-se importante pela pergunta, ele respirou fundo e, após um ataque de tosse, disse seritílico:
– Ora, eu que bebo e é você que fica tonto? Não tá vendo lá do meio da esquina as águas brigando, umas querendo descer prum lado e outras querendo descer pro outro? Prestenção, sô, umas águas querem descer a Rua Ana de Oliveira em direção à Avenida Fátima Porto e outras querem descer a mesma rua em Direção ao Centro Comercial Pátio Central. Por causa disso elas estão se quizumbando. Entendeu?
Alucinação etílica como essa faz doer o cabelo de quem presencia.
* Texto: Eitel Teixeira Dannemann.
* Foto: Montagem de Eitel Teixeira Dannemann sobre foto publicada em 06/06/2014 com o título “Antiga Rodoviária no Final da Década de 1970 − 1”.