Lá pelos de idos de 1960-1970, em plena Ditadura Militar, os delegados eram durões pra caramba com os presos. Não era como hoje, em que o policial não pode encostar a mão no meliante e este tem mais direitos que a vítima. Havia na esquina da Avenida Paracatu com a Rua Maestro Randolfo um bar e restaurante que servia marmitas aos presos. O proprietário, em diversas oportunidades, ao entregar as marmitas, ficava impressionado com os gritos dos detentos sendo punidos. Coincidência ou não, naquele tempo em que bandido era tratado como bandido, a vida era mais tranquila.
Certa vez, estava uma idosa passando em frente ao Cadeião quando ficou assustada com os berros de um preso. Profundamente católica, ficou com pena do coitadinho, sem ela saber que o dito foi condenado pelo estupro e morte de uma criança de seis anos de idade. Indignada com os maus tratos, resolveu tomar satisfações com o delegado:
– Não posso aceitar esse tratamento com uma criatura de Deus.
Quem ficou indignado foi o delegado:
– Criatura de Deus coisa nenhuma, minha senhora, esse monstro abusou sexualmente de uma menina de seis anos de idade e a matou.
A idosa, ouvindo o barulho das pancadas no corpo do preso e seus lamentos, continuou:
– Isso é um absurdo, mesmo assim ele não merece isso, precisa ser perdoado por Deus, precisa sim ficar preso e depois ter uma segunda chance na vida para se tornar um homem de bem.
E tome porrete e gritaria e o preso pedindo pelamordedeus para acabarem com isso. E quem batia respondia que a criança pediu pelamordedeus para ele não estuprá-la e mesmo assim ele estuprou e a matou. E tome porrete e gritaria. Num intervalo de poucos segundos sem as porretadas, o preso ouviu as súplicas da idosa ao delegado e não perdeu a oportunidade para clamar:
– Por favor, senhora, peça pra eles pararem com isso, por favor… por favor…
E os porretes recomeçaram. E os gritos cada vez mais altos. A idosa bradando cada vez mais enfática ao delegado e este mudo e sisudo. E tome porretadas, e os gritos cada vez mais lancinantes. Foi quando a idosa se desesperou e aos berros bradou:
– Seus desalmados, matem ele de uma vez e acabe com seus sofrimentos.
O preso ouviu, e mais desesperado que a idosa, conseguiu berrar lá de dentro:
– Pelamordedeus, senhora, isso não, nunca, deixa como está… deixa como está…
A idosa levantou a cabeça, girou nos calcanhares, foi saindo e mesmo percebendo que o dilema do preso havia chegado ao fim, desabafou:
– Turma de desalmados.
Antes de postar-se fora da Cadeia, ouviu do delegado:
– Venha aqui amanhã no mesmo horário que vai ter de novo, e tenha consciência de que a criança nunca mais terá uma segunda chance.
É, naquele tempo, os delegados eram durões com bandidos!
* Texto: Eitel Teixeira Dannemann.
* Foto: Montagem de Eitel Teixeira Dannemann sobre foto publicada em 06/06/2014 com o título “Antiga Rodoviária no Final da Década de 1970 − 1”.