Nenhuma dor é forte o bastante que você não possa suportar. Isso é o que dizem por aí, mas apenas dizem, porque tenho certeza que a maioria não suporta nem as mínimas dores. E dor, muita dor, é o que me atormenta desde que a minha fachada recebeu a placa de vende-se este imóvel. Poderia ser apenas uma simples transferência de propriedade das consciências que atualmente me dominam. Se fosse apenas isso, a esperança de dias melhores estaria fortificada em meus sofridos alicerces mergulhados em infindáveis lembranças.
Ó saudade daqueles tempos em que fui destaque aqui na Rua Joaquim das Chagas, entre a Praça Bandeirantes e a Avenida Brasil. Fui destaque num ambiente ainda muito pobre, eu era maioral em meio a muitas casas simples. Comportei dignamente muitos comércios, dei lucro e felicidade aos que aqui residiram e ainda ouvi o murmúrio da passeata de Frei Antônio de Gangi contra as prostitutas¹. Vi, com muito orgulho, desfilarem por minha calçada aquela geração de craques de antigamente da URT. Mas eis que o tempo foi passando, sabe-la lá porque meus donos foram se desinteressando por seus comércios em meu interior. E ao redor, há muito tempo, tenho percebido a proliferação de pequenos prédios. Uma verdadeira praga de pequenos prédios. A gente só entende a dor da rejeição quando nosso coração é a vítima.
Lá está a placa infernal na minha fachada. Ela praticamente decreta o meu fim. Porque ela não é somente uma placa de vende-se este imóvel. Nela está explícito o meu desaparecimento. Nela está especificada a área do terreno. E se está especificada a área do terreno é porque, na realidade, o que importa é o terreno. Não, não estou me precipitando, ou você acredita que alguém em sã consciência vai me reformar como patrimônio histórico que sou? Ora bolas, vão é me derrubar e erguer mais um prédio. E assim desaparecerei para sempre, mas deixando saudade, pois afinal, a saudade é a luz viva que ilumina a estrada do passado.
* 1: Leia “Frei Antônio de Gangi e Sua Investida Contra as Prostitutas”.
* Texto e foto (09/04/2017): Eitel Teixeira Dannemann.