DEIXAREI SAUDADE – 39

Postado por e arquivado em 2017, DÉCADA DE 2010, FOTOS.

Quando minhas paredes de tijolos de adobe reluziam ao sol na minha feliz juventude, ouvi muitas histórias sinistras sobre este pedaço de sertão repleto de árvores de cabaça¹. Diziam que próximo daqui vozes estranhas espantavam até os tropeiros, considerados homens cheios de coragem, mas tremendamente supersticiosos². Eu nunca liguei para esse tipo de superstição. Só o que me preocupava era a pobreza que reinava em minha volta. Falava-se muito numa máquina de beneficiar arroz da Família Garcia³. Quando nasci, esta Rua Mata dos Fernandes era uma estrada que partia do Mercado Municipal em direção à comunidade do mesmo nome e outras. As almas que me construíram tiveram a ideia de montar aqui um pequeno secos e molhados que atendia os viajantes e aqueles da vila que tinham algum dinheiro sobrando. Fui muito frequentada, querida, ponto de parada de carros de boi. Já cheguei a presenciar oito deles estacionados em minha porta, a maioria com lindos Caracus4. Ai o tempo foi passando, incomodamente célere, asfaltaram a rua, o bairro cresceu, melhorou muito o poderio econômico dessa gente e pronto, tudo se acabou. Hoje sou apenas um restolho daquele passado. Olho em volta, vejo a Vila Padre Alaor à minha frente, percebo as construções do meu tempo sendo demolidas e substituídas por outros imóveis, outras casas, e os fatídicos prédios. Eu sei que a gente nasce só com a passagem de ida, portanto em breve serei apenas lembrança para aqueles que me conheceram. Você aí que me olha com esta carinha serena e triste por pressentir o meu destino, não se apoquente e lembre-se sempre que é bom olhar pra trás e perceber que tudo o que você fez foi de alguma valia. Vou em paz, pois tenho ciência de que desde o primeiro tijolo assentado passei a pertencer à História de Patos de Minas. E deixarei saudade!

* 1: A cabaça (Lagenaria siceraria) é a designação comum dos frutos de plantas da família das cucurbitáceas. É também conhecida pelos nomes porongo, porongueiro, cabaceiro e, na Amazônia, jamaru. O fruto depois de seco é amplamente utilizado de várias maneiras, como vasilhas para refeições na forma de copos ou cuias, moringa para transporte de líquidos, entre outras utilidades.

* 2: Leia “O Vale das Cabaças Uivantes”.

* 3: Em 1947, Genésio e Mário Garcia Roza adquiriram a Fazenda Limoeiro, loteando quase toda a área que viria a ser o Bairro Vila Garcia. Nela, ingressam no comércio cerealista, construindo armazéns para 50.000 sacas de cereais, instalando maquinário para milho, feijão, arroz e café.

* 4: Raça bovina desenvolvida no Brasil Colonial, com pelos lisos e avermelhados, sendo que a maioria apresenta a cor amarela ou baia, podendo chegar ao vermelho tijolo, mas também existe aqueles quase brancos, como na raça Charolesa.

* Texto e foto (17/12/2017): Eitel Teixeira Dannemann.

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