Estava sorumbática envolta com minhas paredes, portas e demais acessórios quando percebi um sujeito passando à minha frente com um radinho próximo ao ouvido direito. Foi rápido, mas deu para ouvir um trecho: A sua casinha triste estava toda fechada. E no varal do alpendre umas roupas penduradas. Conheci no meio delas sua blusa amarelada. Aumentou minha saudade, eta vida amargurada¹. Imediatamente um torpor se apoderou de mim, pois naquele exato momento eu me sentia triste e havia uma blusa amarela dependurada no varal, não no alpendre, mas no quintal. Coincidência ou um verdadeiro sinal do que está por me acontecer? Eta vida amargurada, uma blusa amarela lembrada que aumentou a minha saudade. Isso porque, olha só como a coisa se liga, minhas paredes eram amarelas. Então me veio a lembrança do tempo em que fui erguida. Como uma motosserra destruidora de árvores, o tempo passou célere por dentro dos meus rebocos. Respirei fundo e passei em revista o meu entorno. Eta vida amargurada, que saudade da vida passada, quando não tinha um único edifício por aqui², só casas semelhantes a mim. Fatídico, muitas delas já se foram para ceder lugar a edifícios. Serei privilegiada com a minha mantença para sempre nesse pedaço de chão? Não, não sou tão ingênua assim, sei que a Terra gira, sei que se vai o Sol e vem a Lua, que se vai a pupa e vem a borboleta, que se vai o leite e vem o queijo, que se vai a casa e vem o edifício, e sei, mais do que nunca, que no meio dessa tranqueira toda cá estou presente eternamente na História de Patos de Minas. Quando eu partir, minha simples ausência será o bastante para muitas almas se lembrarem de mim, porque deixarei saudade!
* 1: Segundo trecho da música “Amor e Saudade”, autoria de Sérgio Reis.
* 2: A casa localiza-se à Travessa Maria Inês de Jesus (lateral direita da Igreja do Rosário), quase esquina com Avenida Paracatu, ao lado de um dos imóveis mais antigos da Cidade (leia “Avenida Paracatu na Década de 1920”).
* Texto e foto (27/02/2020): Eitel Teixeira Dannemann.