A queixa por parte do proprietário de que o cão está ingerindo fezes é frequente. Todavia, tal comportamento é considerado normal para a maioria desses animais, embora possa parecer ofensivo por parte dos humanos. Alguns cães têm preferência pelo tipo de fezes consumidas, porém algumas causas que levam à sua ingestão são fisiológicas e outras são distúrbios comportamentais. A ingestão de fezes de animais ungulados é mais comum em carnívoros silvestres, que são animais que têm uma alimentação desbalanceada e essas fezes servem como fonte de produtos de digestão microbiológica. Também fornecem nutrientes aos cães, além de serem palatáveis. Já o consumo das fezes de neonatos pelas cadelas recém-paridas é um comportamento fisiológico e rudimentar para higienização do ninho. Várias são as hipóteses sugeridas como causas da Coprofagia, no entanto, não há respostas definitivas. Alguns autores sugerem que a razão para uma não definição da etiologia deste problema seja a variabilidade das situações que predispõem um animal a este comportamento, podendo ser multifatoriais ou mistas. Portanto, deve-se avaliar e classificar a origem do problema para facilitar o prognóstico e tratamento.
A halitose (mau hálito) é uma queixa comum dos proprietários referentes aos cães que ingerem fezes, além de que os animais podem apresentar infecção repetida de parasitas gastrointestinais, desgaste excessivo dos dentes, obstrução gastrointestinal e viroses como a hepatite e a parvovirose.
Ao fornecer uma grande quantidade de alimento e, especialmente, se esta alimentação for à base de ração uma única vez ao dia, pode-se sobrecarregar o sistema digestivo e, consequentemente, predispor a uma má digestão. Assim, as fezes podem apresentar um alto grau de produtos alimentares não digeridos. Mais tarde, sentindo fome, o cão pode se alimentar destas fezes. O fato também pode ocorrer quando o comedouro não é individual e o dominante vai consumir uma maior quantidade de alimento, deixando pouca ou nenhuma comida para o outro animal subordinado. Assim, o submisso não se sentindo farto recorrerá às fezes do dominante, que se alimentou melhor e eliminou mais nutrientes. Baixos níveis proteicos, alimentação insuficiente ou até dieta desbalanceada oferecida a categoria animal não equivalente, posteriormente, podem acarretar em fome do animal, que ingere suas fezes. Quando a dieta apresenta altos níveis de carboidratos, como é o caso da maioria das rações, o intestino delgado não é capaz de digerir e absorver esse excedente, o que significa taxa de passagem maior no intestino grosso no qual ocorre a fermentação parcial antes da eliminação. O volume de fezes é aumentado, além de conter um nível de amido residual alto. Muitos cães têm atração por esse material que parece ter um caráter lúdico, gratificante e de auto recompensa, além de ser saboroso para o animal.
Filhotes podem se alimentar, durante as primeiras semanas de vida, das fezes de suas mães, na tentativa de formar uma flora bacteriana própria e suprir deficiências de vitaminas e minerai. De maneira geral, a maioria dos casos de Coprofagia em cães é relatada aproximadamente entre 6-8 meses de idade. Nestes casos, considera-se tal comportamento normal, atribuindo-se a busca de nutrientes nas fezes, como fator principal de tal comportamento nos filhotes. Ainda nesta linha de raciocínio e de acordo com algumas teorias evolutivas, animais carnívoros, como o cão, têm o hábito de começar a devorar a presa pelas vísceras e essas, por sua vez, têm presença de fezes, que eles ingerem.
A gastrite é oriunda da má alimentação do animal, sendo outro fator desencadeante da ingestão de fezes, pois a irritação estomacal induz o animal a ingerir alimentos e/ou materiais não comestíveis e preferencialmente ricos em fibras solúveis. Assim como em outras doenças, existem fatores desencadeantes de carências nutricionais que levam o animal a consumir fezes e, isto se dá em decorrência da pequena quantidade de proteínas e gorduras não digeridas totalmente, levando as fezes a ser uma fonte de nutrientes. Toda doença ou condição que provoque polifagia (excesso de fome) também pode levar a Coprofagia, como por exemplo, hiperadrenocorticismo (aumento de cortisol produzido nas glândulas adrenais), tratamento com glicocorticoides, diabetes melito e hipertireoidismo.
Algumas diretrizes acreditam que animais jovens utilizam vários sentidos para juntar informações sobre seu meio ambiente. E essa característica, por sua vez, proporcionou ao animal a habilidade de viver revirando lixo à procura de alimentos e se alimentar desses restos e até de fezes. Desta forma, a ansiedade devido a conflito ambiental também pode ser uma causa dos distúrbios alimentares. O estresse ambiental pode contribuir com vários comportamentos redirecionados, incluindo a Coprofagia. Isto reflete em cães entediados que manipulam fezes como passatempo, ou até o condicionamento ao consumo de fezes para receber atenção do proprietário.
Em geral o comportamento de um animal é adaptativo, e isso ocorre ou por aprendizado, ou por instinto. Os estímulos externos de um animal influenciam no comportamento e influenciarão em uma resposta. Punições excessivas relacionadas às eliminações do cão podem induzi-los a comer as próprias fezes para evitar que os proprietários os punam. Os cães que são punidos severamente por fazerem suas necessidades dentro de casa são um exemplo disto.
Quanto ao tratamento, primeiro é necessário avaliar se há presença de alguma doença associada ao hábito de Coprofagia e tratá-la. Caso seja apenas um hábito, ela pode ser corrigida por meio da mudança para uma dieta de alta digestibilidade, alto nível de proteínas e gorduras e baixos níveis de carboidratos e fibras, resultando em modificação da textura e sabor. É relevante que o comedouro e bebedouro sejam individuais e longe do local de defecação. Outra alternativa é estimular os animais a realizarem suas necessidades fora da residência, durante passeios por exemplo, para não estimular a doença. Pode-se também aumentar a frequência de alimentação e utilizar suplementos alimentícios.
Nunca se deve repreender o animal. Deve-se ensiná-lo com o uso do “não” quando apresentar a alteração e, pode-se até fazer o uso da focinheira quando o animal for pego em flagrante. A Coprofagia também pode ser suprimida usando-se o condicionamento por aversão, com o uso de produtos de odor e sabor desagradáveis. O vinagre, o limão ou a pimenta aplicada nas fezes tem apresentado bons resultados. Porém, estas opções de tratamento só devem ser usadas como último recurso.
A distribuição errônea do espaço de dormir, alimentar, defecar e urinar também são pontos chaves. Cães que não dispõem de espaço suficiente e são forçados a defecar em seu espaço de dormir acabam por ingerir suas fezes para manter o espaço limpo. Cães confinados ou presos são mais aptos a desenvolver Coprofagia do que aqueles que estão em companhia humana na maior parte do tempo. Animais que saem a passeio recebem maior atenção do dono e/ou ganham brinquedos podem ter este comportamento diminuído ou aliviado.
* Fonte: Coprofagia Como Distúrbio Comportamental em Cães: Revisão de Literatura, de Graziela Kopinits de Oliveira, Luciano Rogério Meyer e Verônica Batista de Albuquerque.
* Foto: Tudosobrecachorros.com.br.