Tudo começou quando sinais misteriosos vindos do espaço longínquo foram captados pelas poderosas antenas telescópicas da Agência Espacial SANA. Um contingente enorme de cientistas estudou meses a fio o significado de tais sinais. Depois de muitos neurônios queimados chegaram à conclusão que os sinais eram provenientes de uma galáxia ainda pouco estudada por eles, denominada Via Canáctea. A avançada tecnologia da SANA esmiuçou de tudo quanto foi jeito todas as modalidades da Astrofísica, Matemática e matérias afins para chegar à conclusão que os sinais vinham de um planetóide há pelo menos uns 30 bilhões de quilômetros de distância. Os cérebros portentosos dos cientistas decifraram o enigma e tudo virou manchete nos meios de comunicação.
_ EXTRA! EXTRA! Cientistas da SANA captam sinais de SOS de um planetóide da Via Canáctea, com atmosfera compatível e seres fisicamente semelhantes a nós. Uma nave de última geração, a Grêmioprise, vai ser enviada ao local para averiguamentos. Nunca neste Planeta um contingente tão soberbo de cientistas foi destacado para uma missão espacial. Pelos ditos, a situação por lá é crítica, e cabe a todos nós desejar aos nossos irmãos ensejos de uma boa viagem e que os irmãos de lá sejam adequadamente providos em suas necessidades.
A viagem, terrivelmente longa, transcorreu sem grandes sobressaltos. Quando os sensores da Grêmioprise detectaram os 8.514.876,599 km² do planetóide, a tripulação já estava a postos para o pouso, que se deu num local previamente estabelecido. A recepção foi uma festa e em poucas horas estavam as partes interessadas participando de uma reunião ultra-secreta. Uma voz rouca e demonstrando muita emoção dominou a todos, numa língua instantaneamente traduzida aos tripulantes da nave.
_ Bem vindos ao nosso planetóide Fétidus. Em nome de todos, eu, Esperançus Dias Melhoris, os saúdo. Passo a palavra ao nosso relator, meu irmão Jacinto Dias Tranquilis, que vai narrar a vocês a situação caótica e desesperadora em que se encontra a nossa nação.
A explanação foi longa, muito longa. Jacinto mostrava muita emoção nas palavras, enquanto seus conterrâneos ouviam e a todo momento miravam os visitantes, como se para eles aqueles vindos de tão longe fossem a derradeira tentativa de salvação.
_ Prezados Senhores, estamos honrados com a presença de vocês e profundamente agradecidos por virem de tão longe em resposta ao nosso pedido de socorro. Secretamente, como está sendo esta reunião, emitimos os sinais para o espaço longínquo na esperança de chegar até uma civilização avançada, longe das que nos rodeiam e que só fazem nos espoliar em conluio com os governantes daqui. Quão feliz ficamos quando vocês nos responderam. E extasiados ficamos ao aqui chegarem, principalmente por serem praticamente idênticos a nós fisicamente. Há milhares e milhares de anos nossa raça, a Dignus hominis, vivia em paz neste planetóide. Até que num triste dia fomos invadidos pelos Venhanós emaisnada, do planeta Corruptus. A partir deste dia fomos literalmente escravizados. Foram gerações e mais gerações de sofrimentos. Os Venhanós vinham com o único objetivo de explorar nossas riquezas minerais e energéticas, escassas no planeta deles. Quando consideraram que nada mais havia de interessante por aqui, zarparam com suas naves para novas invasões, e nos deixaram uma corja de seres horripilantes, que se multiplicaram aos montes, e continuamos subjugados como nunca. Foram centenas e centenas de anos em luta, mas nós, os Dignus, somos uma minoria, e a cada dia que passa mais e mais nos vemos sujeitos aos desmandos deles, os Putrefatos brasiliensis.
O Relator Jacinto explanou com detalhes as várias fases da História de Fétidus, desde a invasão dos corruptanos, passando pelo domínio dos Putrefatus brasiliensis sobre eles, os Dignus hominis, até chegar aos dias de hoje. Relatando como era Fétidus atualmente, de Jacinto e seus conterrâneos escorriam lágrimas, enquanto os visitantes se entreolharam e em cada um a percepção daquele filme já visto os preocupou.
_ Aqui em Fétidus, o que prevalece é a esperteza, o golpe, o crime, pois o que domina é a impunidade. Aqui, a língua oficial só existe no papel, pois falar e usar a língua de outros planetas vizinhos é que é bonito, tanto que, imaginem só, o prédio da Academia Fetidense de Letras tem nome estrangeiro. Aqui, desocupados invadem propriedade alheia e o governo putrefatense não só apóia como aplaude. Aqui, representantes do povo sofrido desviam verbas públicas e se enriquecem, tranquilamente. Aqui, políticos comprovadamente ladrões, se candidatam abertamente, e, pasmem, se elegem. Aqui, menores de 18 anos matam à vontade e ninguém pode encostar a mão neles. Aqui, um representante do governo recebe uma fortuna para trabalhar três dias por semana, e olha lá, enquanto professores e policiais que arriscam a vida todo dia têm de trabalhar três turnos para ter uma renda compatível. Aqui, o cidadão comum aposenta com uma miséria e todo ano sua renda diminue, enquanto as dos apadrinhados crescem em progressão geométrica. Aqui, nós trabalhamos 4 meses no ano só para pagar impostos, nós que trabalhamos, pois os que não trabalham recebem ajuda justamente para continuarem não trabalhando, mas votando neles, e não temos escolas dignas pra todos, saúde pra todos, transporte, segurança e o escambau pra todos. Aqui, fabricamos tanta gasolina que somos praticamente auto-suficientes, mas temos os preços mais caros da galáxia. Aqui, quando um sujeito é preso descobre-se que ele já tinha mais de cinqüenta passagens pela polícia, e, incrivelmente, o cidadão estava livre e solto nas ruas. Aqui, o cara pode fazer todo tipo de atrocidades até os dezoito anos. Depois, continua fazendo, sendo preso, sendo solto, sendo preso, sendo solto, e por aí vai. Aqui, político tem imunidade parlamentar, quer dizer, ele pode fazer o que quiser e nada acontece, ele está sempre no poder, enquanto o pobre que rouba um litro de leite para alimentar o seu filho é preso imediatamente. Aqui, um cara estupra uma menor ou mata qualquer um e ainda assim tem alguém para defendê-lo, enquanto um pobre coitado mata um animal silvestre é imediatamente preso, e fim de papo, sem direito a defesa nenhuma. Aqui, a droga rola solta e já não sabemos mais o que fazer. Aqui, andar de carro é mais barato que andar de ônibus. Aqui, andar de carro ou de ônibus se torna um sofrimento terrível, pois pagamos impostos caríssimos para ter condições de dirigir e manter o carro e as estradas são péssimas, e nada acontece, nada acontece, e as estradas continuam péssimas e os impostos altíssimos. Aqui, pagamos impostos referentes ao Planeta Soberbus e recebemos serviços de miséria como o Planeta Esqueléticus. Aqui, cesto de lixo nas ruas é enfeite, pois o povo gosta mesmo é de carimbar as calçadas e as ruas. Aqui. Aqui…
Após ouvir as palavras do nobre Jacinto, o representante oficial dos visitantes espaciais solicitou um tempo para discutir com a tripulação sobre os fatos apresentados. Se retiraram e depois de um longo tempo voltaram a deram o veredito.
_ Prezados Senhores dignenses, foi uma grande surpresa para nós ouvir o drama de vocês. Surpresa terrível, pois, incrivelmente, os enfrentamos também, há milênios. Estamos nos vendo na pele de cada um dignense aqui presente, e aos outros que neste exato momento estão sofrendo com os desmandos dos crápulas putrefatenses. Sofremos igualmente como vocês. Até que adquirimos a capacidade de discernir quem era crápula e quem não era crápula. Lutamos com a mente. Fomos nos juntando e formamos um imenso contingente de seres idôneos. Foram séculos de lutas intensas. Mas vencemos. Hoje, a paz nos domina. Não há corrupção, não há drogas, não há crimes. Decidimos que três dos nossos mais abalizados cientistas vão ficar aqui para treiná-los e prontificá-los a iniciar urgentemente a batalha contra o Putrefatus brasiliensis. Usando de todos os artifícios que nos redimiram, chegará o dia em que este planetóide terá por nome o mesmo nome de vocês, Dignus. Pois, se assim não for, aqui será uma eterna Colônia, onde os putrefatenses vão reinar eternamente.
Quando o risco luminoso da Grêmioprise em sua volta se apresentou na noite fetidense, o cotidiano no planetóide Fétidus se dividiu. Para os putrefatenses, nada mais era do que algum visitante de um planeta vizinho. Para os dignenses, aquele risco luminoso era o início de uma longa e árdua batalha.
* Texto: Eitel Teixeira Dannemann.
* Foto: Sitedecuriosidades.com.