FÁBULA DA ALFACE ASSASSINA

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4O cidadão japonês que responde pela alcunha de Michutopoco Inudoeu chegou ao Brasil lá pelos idos de 1950. Veio numa leva de conterrâneos para explorar as possibilidades que o País oferecia àqueles estrangeiros que tinham um neurônio a mais que os daqui. E Michutopoco tinha esse neurônio a mais. No meio de toda aquela gente que desembarcou no porto de Santos, lá estava a bela e sonhadora Toquijunto Diti, acompanhada de seus pais e alguns irmãos. Michutopoco e Toquijunto se conheceram na viagem, e foi amor à primeira enjoada, pois não estavam acostumados ao meio de transporte.

Enquanto o navio rasgava as ondas do mar ora bravio ora calmo ele tratou de se aproximar do futuro sogro. Foi um sucesso. Houve até ciúmes por parte da eleita, pois eis que sua irmã mais nova arvorou suas asas para cima do futuro cunhado. Mas este, com os olhos vidrados na escolhida, deu de ombros e seguiu firme no seu objetivo.

Após o desembarque, alguns anos se passaram, a língua portuguesa praticamente dominada, e eis que o casal de apaixonados se tornou uma família, a família Inudoeu. Enquanto o primeiro filho não chegava, a dupla trabalhou pesado num pequeno torrão de terra aplicando todas as energias no cultivo de hortaliças, especialmente alface. E a alface da família Inudoeu fez tanto sucesso nas redondezas do sítio que logo a notícia chegou à capital. E esta não teve dúvidas em importar aquela iguaria. Sim, lá na capital a alface dos Inudoeu foi considerada inigualável. Por causa disso, pedidos e mais pedidos de lá foram chegando. E mais e mais alfaces dos Inudoeu foram para a capital, com preços bem acima dos praticados na região de origem. Eram consideradas orgânicas, e por isso bem mais caras.

Aconteceu que, devido às exportações, começou a faltar a hortaliça na pequena cidade onde se situava o sítio. Não faltaram reclamações, mas Michutopoco e Toquijunto, com os olhos vidrados nos cifrões, não estavam nem aí.

Num belo dia, Toquijunto chegou em casa esfuziante com um papel na mão: era o teste de gravidez positivo. Pulo no tempo, muitas alfaces para a capital e muitas reclamações dos vizinhos, o filho – sim, era um homem – do casal já estava com cinco anos e se tornou alucinado por alface. O seu alimento preferido era vitamina de alface com pedacinhos picados da hortaliça. Uma alface especial, denominada Comis semmedo, foi desenvolvida pelo nipônico depois de inúmeras experiências genéticas. Sim, Michutopoco criou um vegetal diferente, com sabor adocicado e riquíssimo em cálcio. Seu filho, que foi registrado com o nome de Chegueibem Diti Inudoeu, foi o verdadeiro degustador do novo produto. Aprovado, com louvor.

Os Inudoeu se tornaram famosos em todo o país, e muito ricos. Extrapolaram as fronteiras. Foram comprando terras e a produção cresceu em conseqüência da demanda. Caravanas de representantes de vários países visitavam o sítio, aliás, agora a grande fazenda, para assinarem contratos de fornecimento. Nestes tempos, Chegueiben, altivo nos seus vinte e poucos anos, já comandava o setor comercial do negócio. Era esperto, inteligentíssimo, já quase se formando em Agronomia. E repleto de idéias na cabeça. Com a aprovação dos pais, ora revendo os parentes no Japão, fechou vários contratos com a União Européia. Uma nova variedade da Comis semmedo, enriquecida com antigases e produzida em estufa hermeticamente fechada e climatizada, e por isso com custo altíssimo, foi o alvo dos negócios. Ótimos negócios que fizeram papai Michutopoco e mamãe Toquijunto enviarem várias cartas de congratulações ao filho.

Mas, eis que o nosso nobre Chegueibem não era tão nobre assim. Aquele “não estavam nem aí” do final do quarto parágrafo proferido pelos pais parece que funcionou como herança genética para o filho. E este realmente não estava nem aí para a patuléia dos empresários europeus, e, para complicar, já contaminado pelo vírus Putrefatus Brasiliensis. O negócio era o lucro exacerbado, era o ganhar dinheiro fácil à custa da crendice em sua variedade de alface. E grandes negócios foram fechados com a nova hortaliça. Mas a nova variedade da hortaliça ficou e quem seguiu viagem foi a tradicional alface regada a molho de fezes dos biodigestores da propriedade, elegantemente embalada para satisfazer o apuro visual dos consumidores de além-mar. Momentaneamente um lucro fenomenal, fantástico, descomunal, que motivou o casal Inudoeu a voltar de suas férias para regozijarem com o querido filho.

Enquanto os europeus descobriam que estavam comendo gato ao invés de lebre, o presidente de um país de lá bateu as botas cinco dias depois de saborear as falsas famosas alfaces inudoeanas. Diagnóstico fatal 1: infecção causada por uma super bactéria da família Escherichia coli. Diagnóstico fatal 2: foi confirmado oficialmente que a super bactéria foi ingerida pelo agora morto quando este ainda vivo mastigou uma suculenta alface inudoeana. O caos chegou com força à família Inudoeu. Todos os contratos foram encerrados. Ninguém mais, cá dentro e lá fora, queria mais saber das alfaces inudoeanas. A fazenda foi vendida para pagar os advogados. Com o quase nada que sobrou, Michutopoco e Toquijunto voltaram para o Japão, mantendo distância do filho Chegueibem. Este, por aqui ficou, sumiu e ninguém mais ouviu falar dele. E a fantástica alface Comis semmedo, realmente fantástica, foi dada como extinta.

MORAL DA HISTÓRIA: Não cultive seu filho como se cria alface.

* Texto: Eitel Teixeira Dannemann.

* Foto: Revistacampoenegocios.com.br.

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