Há muitos anos ouvi tocar aqui dentro de mim uma música cujo refrão eu nunca mais esqueci, que é, se não me engano, mais ou menos assim: Quando será o dia da minha sorte, sei que antes da minha morte esse dia chegará, mas quando será?¹. De lá pra cá esse refrão não sai de dentro das minhas estruturas, do meu telhado, das minhas portas e janelas e até do hoje não tanto mais exuberante quintal. Nada estranho, pois sou daquele tempo em que imóveis como eu de dois pavimentos era o máximo do suprassumo nessa avenida². Assim foi durante décadas, e eu varei essas décadas na maior tranquilidade. Até que ouvi a tal música e, coincidência ou não, não demorou muito eu passei a reparar que as antigas casas dessa avenida foram, sorrateiramente, sendo demolidas para cederem lugar a modernos edifícios. Pois saiba que no meu tempo todas nós éramos consideradas modernas, tá! Passou o tempo e deixamos de ser modernas para nos transformarmos em trastes que precisam ser eliminadas para o novo moderno. Ora, tem dó, Deiró, vai ver se eu estou lá na esquina. Veio então um choque tremendo, quando demoliram a minha vizinha aí do portão verde³. Nossa Senhora da Abadia, a cada parede derrubada eu tremia que nem vara verde, pois eu sentia dentro de mim. E aí, se derrubaram uma aqui do meu lado, então lá vai o refrão: Quando será o dia da minha sorte, sei que antes da minha morte esse dia chegará, mas quando será? Não tendo a mínima ideia do quando, só sei que, fazendo parte da História de Patos de Minas, quando chegar a minha vez, deixarei saudade!
* 1: Quando Será?, de José Rodrigues Trindade, o Zé Rodrigues − Rio de Janeiro, 25/11/1947 − São Paulo, 22/05/2009 e Ramón Roberto de Ciria, o Roberto Livi − Buenos Aires, 17/06/1942 − Aurora, 25/01/2019, gravada no LP Quando Será? (1977) de Zé Rodrigues.
* 2: O imóvel localiza-se na Avenida Getúlio Vargas, entre as Ruas Olegário Maciel e José de Santana.
* 3: Antiga residência do Cel. Arthur Thomaz de Magalhães.
* Texto e foto (12/03/2023): Eitel Teixeira Dannemann.