DEIXAREI SAUDADE − 104

Postado por e arquivado em 2019, DÉCADA DE 2010, FOTOS.

Finalmente alguém de fora prestou atenção em mim. Coisa esquisita isso, sô, será que é só porque sou humilde? Ou será que o reparo não foi apenas na minha existência em si, mas sim na minha decadência? Ora, por que ele tirou foto só de mim e de nenhuma das outras semelhantes a mim? Nós aqui da Lagoinha¹ somos muito parecidas, algumas melhores um cadiquinho só que as outras, modestas mesmo. Aí vem esse cara, passa por todas as outras, para em frente a mim e tira uma foto. Pra mim, lá no miolo de minhas paredes, o que chamou a atenção desse sujeito foi o muro derrubado do quintal. Ele até riu, eu reparei, ele até riu do quintal sem muro e o portão fechado. Só que ele não sabe que nesse quintal tinha outra casa. Então, será que ele percebeu que está para acontecer o mesmo comigo? Será? Será que o meu estado físico é tão revelador assim? Não, acredito que não foi apenas isso. O homem é esperto, vislumbrou bem as transformações que estão ocorrendo por aqui, deve até ter registrado a falência da nossa lavanderia comunitária², sim, e deduziu qual será o meu futuro e de todas nós, as simplórias. Edifícios, edifícios, mil edifícios, é nisso que todas nós vamos nos transformar. Sim, aquele sujeito sabe disso e por isso, de dó, sei lá, gostou mais de mim e resolveu registrar somente eu. Chique então, né. Se ele sabe qual será o meu destino, que seja, pelo menos, quando eu não mais existir, estarei para sempre registrada em uma fotografia. Assim vou em paz, e quando isso acontecer, deixarei saudade!

* 1: O imóvel localiza-se à Rua Santa Marta, esquina com Rua Ildefonso Bernardes.

* 2: Leia “Foi-se a Lavanderia Comunitária da Lagoinha”.

* Texto e foto (22/12/2019): Eitel Teixeira Dannemann.

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