Eu era uma chácara. Falo isso porque, quando surgi, tudo por aqui¹ era espaçoso, quintais enormes e quem dominava o ambiente era o Seu Clarindo², tanto que muito desses imóveis atualmente pertencem aos seus descendentes. Lá na praça era ponto de parada de carros de bois. Quando chovia, uma barraiada danada. Na seca, a poeira era medonha. Mesmo assim era bão demais da conta aqueles tempos em que tinha mais árvores do que casas: mangueiras, jabuticabeiras, jamelões, abacateiros, limoeiros, mixiriqueiras, jatobás, laranjeiras, cagaiteiras e até gabirobas. Mas eis que o tempo foi passando e, trem esquisito, ao mesmo tempo em que as árvores foram sumindo, novas casas foram surgindo. No início não me preocupei muito, até que num certo momento diminuíram o meu quintal e isso encasquetou minhas paredes. Uai, sô, pensei muito sobre isso, mas tentava ao máximo não encrespar minhas portas e janelas. De repente, fiquei sabendo que demoliram a casa do Seu Clarindo. Aí eu me encasquetei todinha, sem ficar de fora um único pedaço de reboco. E o trem petecou de vez quando demoliram uma colega no outro lado da rua³. Resultado disso: crise psicoestrutural. Agora, apesar da movimentação constante em minhas áreas, aprecio com pesar esse verde que me cobre amparado nas lembranças dos áureos tempos, esperando, a cada dia que passa, sentir as almas humanas me abandonarem para a chegada das cruéis máquinas da demolição para estabelecerem o progresso. Quando isso acontecer, serei apenas um detalhe na História de Patos de Minas. Mas, sem dúvida alguma, deixarei saudade!
* 1: O imóvel localiza-se na Rua Ataualpa Dias Maciel próximo à Praça Nossa Senhora de Fátima, no Bairro Rosário.
* 2: Leia “Casa da Família de Clarindo José de Souza”, “Deixarei Saudade − 37”, “Antigo Imóvel de Clarindo José de Souza: Foi-se Mais um Pedaço de Nossa História”, “Esquina da Rua Ataualpa Dias Maciel Com Praça do Rosário em Dois Tempos”.
* 3: Leia “Lá se Vai Mais Uma Mangueira Urbana”.