DEIXAREI SAUDADE – 37

Postado por e arquivado em 2017, DÉCADA DE 2010, FOTOS.

Ó Clarindo, ó Amélia, já faz tanto tempo e nem assim consigo esquecer quando invadiram as minhas entranhas com seus três pequeninos. Depois vieram mais dez e eu me alegrava tanto com a barafunda que a criançada aprontava aqui, correndo para tudo quanto era lado e vocês dois o dia inteiro dizendo para eles não irem à lagoa, a famosa lagoa que deu origem ao nome da cidade. Você, Clarindo, naquela labuta no garimpo, e a Amélia na labuta com a gurizada, que foi crescendo, crescendo, até que cada um tomou o seu rumo. A cada ano, a casa foi se esvaziando, esvaziando. E o seu rumo definitivo, Clarindo, doeu, como doeu. Como Amélia sofreu. Sofreu tanto que resolveu procurá-lo no Além três anos depois. Foi até que só sobrou a Margarida. Nunca entendi porque ela não quis se casar. Gostava dela demais da conta, porque me tratava tão bem, deixando-me sempre limpinha e bem vista aos olhos de quem passava. Foram anos e anos de alegria, de boas lembranças, mesmo só com ela e a visita de alguns parentes. Até que a alegria se foi para sempre¹.

O tempo, o cruel senhor da razão e da verdade, aquele que vai nos consumindo, vai nos envelhecendo e nos levando as pessoas queridas. Foi-se a Margarida. E sem ela veio a solidão tomar conta de minha estrutura centenária. Trancaram-me as portas, fecharam-me as janelas. Tudo ficou escuro. Transformaram meu entorno num estacionamento. Já nem mais enxergo a Praça Nossa Senhora de Fátima diante de mim, que tão bem aconchegou no passado enormes boiadas. Aqui era uma autêntica fazenda, e eu era a sede. Quanta saudade! Agora, sinto cheiro de morte no ar, cheiro forte da poeira de paredes desmoronadas. Sinto cheiro de óleo diesel recolhendo minhas entranhas. Sinto cheiro de cimento, concreto e aço. Sinto que meu fim está próximo, o destino me direciona. Não mais me interessa o ontem, o hoje e o amanhã. Trancada, acuada, aguardo as máquinas para a despedida final. Vou em paz, sabedora que desde o primeiro tijolo assentado passei a fazer parte da História de Patos de Minas. E deixarei saudade!

* 1: Leia “Casa da Família de Clarindo José de Souza”.

* Texto e foto (12/11/2017): Eitel Teixeira Dannemann.

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