Certo dia, em meio à minha simplicidade, deparei-me com motosserras ensurdecedoras atacando com voracidade as árvores do canteiro central dessa avenida¹. Eram bonitas, apaziguavam o ambiente. Meus ocupantes e o povo discutiam sobre aquilo e a gente da prefeitura explicando aos incomodados que as raízes das enormes árvores estavam danificando a galeria que comporta o Córrego da Cadeia². Enquanto isso eu me perguntava: por que não me embelezaram, por que deixaram a minha tez sem os devidos preparos? Em outro certo dia colocaram grades nas minhas entradas e saídas e até hoje não entendo porque, eu com toda minha humildade, foi necessário que grades fossem instaladas em minhas entradas e saídas. São esquisitos os humanos em suas atitudes, tanto que só agora, depois de muitos anos é que resolveram por um fim à agonia da minha colega aí de frente e terminaram por extingui-la definitivamente³.
No âmbito da esquisitice do homem, a coisa mais cruel em sua personalidade, com relação a nós imóveis, é essa mania de nos construir, nos usar e depois, como se não representássemos nada para eles, nos derrubarem sem um pingo de piedade. Dizem que é por causa do progresso, que na inexorável roda gigante da vida, o novo sempre tem que o ocupar o antigo, pouco importando o seu valor histórico. Venho reparando nisso aqui em volta. A mudança é drástica, edifícios vão sem pudor algum ocupando os espaços dos idos tempos. Essas bandas estão se tornando reduto da Lei, pois lá para baixo já tem a sede da OAB, o novo Fórum e agora está surgindo o Ministério Público. E tem uma Lei que é danada de desastrosa para nós, imóveis antigos, simplórios como eu ou não. É a Lei do “você já era” e do “aqui não é mais seu lugar”. Ainda mais eu, uma simplória no meio do moderno! Sei que já estão tramando contra mim, que já estou com os dias contados. Se um dia acontecer comigo o que está acontecendo com minhas colegas, fazer o que? Unicamente me sujeitar a fazer parte da Memória dessa Cidade. Mas, infalivelmente, deixarei saudade!
* 1: O imóvel localiza-se à Avenida Padre Almir Neves de Medeiros, entre as Ruas Professora Elza Carneiro e João Messias Marques.
* 2: Leia “Corte de Árvores da Av. Padre Almir em 2011”.
* 3: Leia “Casa em Ruínas na Avenida Padre Almir”.
* Texto e foto (21/10/2018): Eitel Teixeira Dannemann.