DIETA, A − 1/5

Postado por e arquivado em CANTINHO LITERÁRIO DO EITEL.

Nos idos da década de 1990, Adamastor era um homem tranquilo, de boa índole e tremendamente caseiro. Vivia um casamento feliz com sua esposa Geruza há 8 anos que gerou um casal de filhos: Jerônimo e Catarina, na época ele com 5 e ela com 7 anos de idade. Ele trabalhava desde 1983 como Promotor de Vendas para uma multinacional de medicamentos. Ela, há muitos anos revendedora Avon. Com a boa renda de ambos, a família morava num imóvel próprio e confortável no Bairro Sobradinho. Um belo dia, a empresa do Adamastor convidou seus Promotores de Vendas e respectivas esposas da região do Alto Paranaíba para uma palestra sobre alimentação natural, a ser realizada numa manhã de sábado num clube social de Patos de Minas. Um catedrático famoso de Belo Horizonte falaria sobre os malefícios de alimentos de origem animal e os benefícios de uma alimentação concentrada nos vegetais. Adamastor não tinha a menor ideia da transformação que sofreria sua esposa.

Geruza saiu da palestra com os olhos arregalados de surpresa e com a mente embotada por mudanças depois das palavras que ouvira. As informações provocaram um emaranhado de pensamentos e seus neurônios trabalhavam em ritmo acelerado. Sim, eles estavam se alimentando de uma maneira absolutamente incorreta. Claro, era preciso uma reorganização nutricional mais do que urgente. Convicta, resolveu que tudo mudaria na casa, com o Adamastor e os filhos gostando ou não. E enquanto o marido dirigia de volta ao lar, ela só conjeturava.

– Geruza, por que você está tão caladinha aí? Não gostou da palestra?

– Muito pelo contrário, querido, só estou aqui pensando umas coisinhas.

– Pensando umas coisinhas? Sei não, hêim! Não estou gostando nada desse seu olhar e dessa sua cara. Não vai me dizer que você achou interessante aquela baboseira toda de comer capim?

– Que capim, Adamastor? Já vi que você não prestou atenção no que o homem disse.

– Prestei muita atenção sim, e pelo que eu entendi, o cara quis deixar a impressão de que carne faz mal que nem veneno pra rato.

– Não é bem assim, o que ele quis mostrar é que os vegetais são muito mais benéficos ao corpo do que qualquer alimento de origem animal, como a tal da carne, o ovo, os queijos …

– Para com isso, mulher, desde que o Homem surgiu na Terra ele come carne, é isso aí, o Homem é carnívoro por natureza. Agora, depois de não sei quantos mil anos o Homem comendo carne vem um cara e, pimba, descobre que carne faz mal. Tenha a santa paciência. E você acreditou?

– Adamastor, presta atenção, eu já me decidi. A partir de amanhã não entra mais uma grama de carne lá em casa, nem a de peixe.

– Como é que é? Você ficou louca, Geruza?

– Adamastor, olhe pra frente e dirija. Lá em casa a gente conversa.

O marido conhecia muito bem a esposa que tinha. Sabia perfeitamente que quando a Geruza enfiava uma coisa na cabeça não tinha ninguém que a fizesse mudar de opinião. E agora? O que ela queria dizer com o negócio de não entrar mais carne em casa? Será que ela estava levando a sério a palestra e resolvera mudar o cardápio?

– Geruza, não estou gostando nada disso, hêim.

– Homem de Deus, será que você assimilou só um pouquinho do que foi dito? O cara tá certo, a gente se alimenta muito mal.

– Que negócio é esse? Eu nunca deixar faltar comida em casa!

– Não estou falando de faltar comida, homem, a gente se alimenta mal porque comemos muita carne e muita gordura. Você não ouviu ele dizer que isso faz muito mal à saúde? Você não ouviu ele dizer que o colesterol está matando muita gente. E os doces? É por isso que os nossos filhos vivem com cáries. E além do mais, excesso de açúcar pode causar diabetes. E o sal? Nem se fala.

– Só me faltava essa agora!

– Ah! é? Dê só uma olhadinha na sua pança. Aqueles tira-gostos mergulhados em gordura que você come nos finais de semana com as suas cervejinhas é que estão aumentando a sua barriga. Tenho certeza que suas veias estão entupidas de gordura. Para falar a verdade, vamos acabar também com essas cervejas e pingas. E também com esses cigarros de palha fedorentos.

– Não vem não, Geruza.

– Vou sim, Adamastor, e quando chegarmos em casa vamos conversar os quatro sobre isso, porque a partir de amanhã vamos entrar numa baita dieta vegetariana.

– Que raios de dieta vegetariana, mulher? Se você está pensando que vou passar a comer capim está muito enganada.

– Mas você é bocó mesmo, hêim? O cara lá deu as dicas direitinho para a gente ter saúde e você aí na gozação. Na verdade você mal prestou atenção na palestra, pois percebi muito bem você e seu amiguinho Claudiomiro só na brincadeira. Seu gerente estava lá te manjando, eu percebi.

– Tem dó, Geruza, tá certo que o cara falou muita coisa interessante, como aumentar o consumo de verduras e legumes. Mas dizer que carne vermelha é um veneno é a mesma coisa de dizer que mulher provoca câncer.

– Você é bobo mesmo, hêim?

– Geruza, concordo com muita coisa que o cara falou, mas não concordo definitivamente com esse negócio de carne fazer mal. A carne muito gordurosa sim, é claro que aumenta o colesterol. Mas mulher, o Homem é carnívoro há milhões de anos. De repente surge um doutorzinho aí anunciando a descoberta do milênio: a carne é um veneno para o ser humano. Ora, vai ver se estou na esquina, mulher.

– Olha só, Adamastor, eu fiquei impressionada com o que ouvi. Querendo ou não, para o nosso próprio bem, pois sim, estou pensando somente na nossa saúde, vamos nos tornar vegetarianos. A partir de amanhã, só vamos comer alimentos à base de vegetais.

– Muito bonito, seremos agora os novos ruminantes da cidade. Que tal começarmos com uma pizza de chuchu com abóbora?

– Seria ótimo, se não tivesse a massa, e massa, de qualquer espécie, também estará abolida do cardápio.

– Olha Geruza, tô achando que você endoidou de vez. Quer saber de uma coisa? Já é quase meio-dia e estou doido para chegar em casa e saborear aquela deliciosa lasanha que você preparou.

– Pois aproveita, meu amor, pois é o último dia que você come essas porqueiras.

Enquanto a lasanha assava, Adamastor saboreou uma latinha de cerveja e umas doses de uma pinguinha da melhor qualidade lá de Major Porto. Depois, caiu na cama e roncou que nem um porco. Acordou por volta das 6 horas da tarde. O restante do sábado foi tranquilo para ele, que curtiu muitos os dois filhos. Teve uma noite serena, recheada de muito carinho por parte da esposa. Noite serena, principalmente porque ele acreditava que a Geruza amanheceria no domingo sem aquela doidice de dieta vegetariana. Calmamente, 8 da manhã, levantou-se, trocou-se e partiu para um saboroso café, sendo recebido carinhosamente pela esposa e pelo casal de filhos:

– Bom dia, meu amor.

– Bom dia, querida.

– Bênça, pai.

– Bênça, filhos. Isso aqui é suco de que?

– Beterraba com cenoura, e tome tudo, Adamastor.

– Beterraba com cenoura? O que é isso mulher? Cadê o queijo e o presunto? E esse negócio aqui de margarina light? Cadê a manteiga? Geruza, o que significa tudo isso? Não, não vai me dizer que você estava falando sério sobre a dieta vegetariana? Geruza, pelo amor…

– Meu querido marido, ouça-me com atenção: sim, nós vamos entrar numa dieta vegetariana rigorosa. Os meninos e eu já começamos com esse café da manhã. Ponha na sua cabeça que é bom para a nossa saúde.

– Jerônimo, Catarina, meus queridos filhinhos, vocês tomaram esse suco? Ajuda o papai, fala pra mamãe parar com esse negócio da gente comer mato. Meus filhinhos, papai vai ficar doente com isso e…

– Adamastor, quer parar logo com essa baboseira. E vocês dois, vão lá pro quintal brincar enquanto o papai toma o café.

– Mas Geruza, hoje é domingo, de cerveja gelada e costela de boi na chapa.

– Era! Agora vai ser domingo de suco de beterraba com cenoura e bife de soja na chapa.

– Bilisca aqui, Geruza, com força, estou sonhando, só pode ser isso.

– Não está sonhando coisíssima nenhuma, e trate de tomar o suco de beterraba com cenoura. Aqui está a margarina light e o pão integral. Se quiser leite, tem desnatado na geladeira. O café não tem açúcar, o adoçante está aqui.

– Mas amor, ontem não tinha nada disso aqui, onde você arrumou esta porcariada toda?

– Adamastor, ontem à tarde, enquanto você roncava feito um suíno, fui até o supermercado e abasteci a cozinha só com produtos naturais e…

– Meu Deus…

– O que você está procurando aí no freezer?

– Geruza, cadê aquela costela de boi temperada que estava aqui?

– Não vem não, Adamastor, não tem mais costela, mais cerveja, mais pinga, mais cigarro de palha e aquele salaminho gordurento também já era.

– Mas gente do céu, o que você fez com meus tira-gostos?

– Levei tudo pra igreja, vai ser doado para famílias necessitadas.

– Piedade! Santa misericórdia! Onde estão o pacú e o surubim?

– O quê? Você está preocupado com aqueles dois peixes que são pura gordura?

– Não pode estar acontecendo. Eu levei quase uma hora para tirar aquele surubim da água e você some com ele. Geruza, você fez isso tudo ontem à tarde enquanto eu dormia? Meu tonelzinho de pinga, cadê meu tonelzinho de pinga? Não, Geruza, aquele tonelzinho foi um presente do tio Alaor. Pelo amor de Deus, cadê meu tonelzinho? Você sabe muito bem o quanto gosto dele.

– Calma, homem, ele está dentro do armário.

– Mas, Geruza, está vazio, não pode, é pesadelo, cadê a pinga que estava aqui dentro?

– A está altura do campeonato já caiu no Rio Paranaíba.

– Uma pinga envelhecida dez anos em barril de carvalho e você joga no ralo. Geruza, agora eu enfezei. Tá me dando uma vontade enorme de te esganar.

– Peraí, Adamastor, vem cá, senta aqui bem juntinho do seu amor.

– Geruza, você enlouqueceu. Se arrependimento matasse… Por que raios fui te levar naquela palestra?

– Meu amor, vem cá.

– Vou coisa nenhuma, você conseguiu me tirar do sério. Se você acha que vou entrar nessa de dieta vegetariana está muito enganada. Mas que droga, você jogou fora uma pinga de dez anos, sacou?

– Amorzinho, fica assim não. Eu fiz pro seu bem.

* Texto: Eitel Teixeira Dannemann.

* Foto: Pngitem.com, meramente ilustrativa.

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