O Astolfo teve os seus dias de glória na década de 1960 com uma loja de variedades na Praça Desembargador Frederico. Pão duro ao extremo, chegou às raias do absurdo de justificar ao Padre Almir que não pagava o dízimo porque Deus não queria o seu dinheiro¹. Sobre essa e outras do muquirana, numa manhã de sábado ensolarada, a turma frequentadora do Bar Caqui comentava:
– Vocês ficaram sabendo da última do Astolfo?
– Né possível, mais uma?
– O cara chegou no Bar do Cochila e pediu desconto numa garrafinha de guaraná porque não queria o canudinho. Tem base?
– Essa não foi a última.
– Como assim?
– Ele comprou cem gramas de músculo de quinta no açougue do Candinho. Aí o atendente perguntou se ele queria levar o minúsculo pedaço de carne temperado com especiarias da casa, sem acréscimo algum. Não deu outra. Imediatamente ele pediu desconto porque não ia usar o tempero do açougue.
Seu Adamastor, 83 anos, professor aposentado, um dos melhores que o Marcolino de Barros teve, conheceu a fundo os pais do mão de vaca:
– Gente, o caso é genético.
– Explique isso, Seu Adamastor.
– Conheci muito o pai do Astolfo, meu prezado Clarimundo, que Deus o tenha. Ele morava na roça, pertinho de Bonsucesso. Estas gracinhas do filho são fichinhas se comparadas ao que o meu amigo fazia. Vocês nem imaginam o quanto o Clarimundo era pão duro. A família sofria. Para vocês terem uma pequena ideia, era prática dele vir de carona à Patos de Minas para recolher jornais velhos. Sabem por quê? Porque lá na roça era proibido o uso de papel higiênico. Num belo dia, por gozação de um familiar, ele ganhou de presente quatro rolos daqueles bem baratos. Ele determinou a todos da casa de que o papel só seria usado em dias de Natal, verso e reverso e apenas um pedaço entre os picotes.
– Que é isso, Seu Adamastor. Não passava pela minha cabeça existir alguém mais sovina do que o Astolfo.
– Pois é. O cara era medonho e o filho herdou.
– Conta mais, Seu Adamastor.
– Gente, já são quase onze da manhã. Nesta altura do campeonato minha véia já está me esperando pro almoço. Ô Fituca, lembra quando o Clarimundo tentou comprar aquele sanduíche queimado?
O Fituca contou à turma que num dia o pai do Astolfo estava no bar tomando um copo de água de torneira. Nisso ele viu um cliente rejeitar um bauru que havia passado do ponto na chapa. Como é praxe da casa, o bom atendimento, outro sanduíche foi confeccionado. O queimado ficou lá num canto. E o Clarimundo logo vislumbrou um ótimo negócio. Chegou ao atendente e ofereceu alguns centavos pelo sanduíche, imaginando que ele teria o destino do lixo.
– Agora está explicado porque o Astolfo é sovina – murmurou a turma.
* 1: Leia “A Sovinice do Astolfo”.
* Texto: Eitel Teixeira Dannemann.
* Foto: Montagem de Eitel Teixeira Dannemann sobre foto publicada em 10/04/2017 com o título “Jardineira de Pedro Gomes Carneiro”.