“A morte é sempre e em todas as circunstâncias uma tragédia, pois, se não o é, quer dizer que a própria vida passou a ser uma tragédia”. (Theodore Roosevelt -1858-1919)
Lá estavam os Deuses preocupados com as suas adversidades, pois os Deuses também têm os seus aborrecimentos e, porque não, as suas limitações. Em Vila do Córrego Dobrado, a família Mantiqueira nada mais era do que uma família comum e tradicional do lugarejo, religiosos convictos como a maioria. Passados seis meses, o assunto do misterioso fenômeno fora definitivamente arquivado. Ninguém mais se lembrava, com exceção do Padre Alaor e do eterno ébrio Zé Limão, que vez ou outra e quase sempre fazia uma referência ao assunto, logo ridicularizada pelo povo, que lhe recomendava parar de beber e arrumar um trabalho. O etílico dava de ombros dizendo que todos foram hipnotizados pelo Arnaldo e por isso não queriam que a verdade viesse à tona. A atitude do bêbado já havia chamado a atenção do Padre Alaor, e isso o instigava. Por que o pobre coitado era o único além dele que insistia na existência daquele fenômeno? Como estava constantemente embriagado, a população não lhe dava crédito. Instigava ao Padre, também, o fato do Bispo Ednando ter-lhe proibido de se referir ao assunto com a população. Ordens do Vaticano! Para o Bispo, os cientistas sabiam exatamente quem eram os responsáveis pelos fenômenos consequentes ao clarão na Vila. Só não conseguiam explicar a ausência abrupta de todos os sinais. Igreja e Estado trabalhavam para explicar ao mundo que a natureza havia produzido tão lindo espetáculo. Sim, o caso era obra exclusiva da natureza tão prazerosamente criada por Deus. Isso gerou vários congressos em alguns países. Era o momento adequado para que todos os países respeitassem a natureza, pois, por causa dos desmandos de cada um, o clima na Terra estava sofrendo alterações significativas. Quanto à Vila, nada mais e nada menos, do que a queda de um grande meteoro, que explodira antes de tocar o solo, daí não haver um único vestígio. O mundo científico se calou para o mundo leigo que deu de ombros e seguiu a vida. Mas não conseguiram calar o Zé Limão. E isso causava no Padre certo desconforto, mesmo ninguém lhe prestando atenção. Era preciso ouvir o cana brava. Num dia qualquer dos muitos dias quaisquer, o Padre estava à porta da igreja conversando com algumas beatas quando passou por eles o fulano. Era a oportunidade. Despachou as mulheres e chamou pelo homem que, por volta das dez da manhã, já destilava álcool por todos os poros. Mas ainda estava firme, talvez até fizesse um “quatro” com segurança.
– Zé Limão, ainda não são dez horas da manhã e você já está chapado?
– Que é isso, Padre Alaor. Eu… desculpe, Padre, a sua bênção.
– Deixe estar. Como eu tenho certeza absoluta que você não está ocupado no momento, podemos trocar umas ideias?
– Ô, Padre, num vai dar.
– Que é isso, Zé Limão, vamos conversar um pouquinho.
– Num posso!
– Venha, Zé, pode entrar que não vou lhe dar bronca alguma.
– O senhor que trocar ideias, por isso não posso.
– Gente do céu, mas por quê?
– Uai, Padre, não tenho nenhuma ideia repetida, e se eu não tenho nenhuma ideia repetida, como vou poder trocar ideias com o senhor?
– Zé Limão, por favor, venha logo.
– Coisa estranha, Padre, por que o senhor quer conversar comigo?
– Lá dentro te explico.
– Sem sermão, tá legal.
– Sem sermão, te prometo.
– Posso rezar um pouquinho?
– Seria ótimo, pois reza é o que você mais está precisando.
– Ó, já começou com o sermão.
– Reze a vontade, criatura.
– Pronto – resmungou o etílico após meio minuto ajoelhado em frente ao altar.
– Prezado José Maria dos Santos Reis, eu…
– Uai, Padre, o senhor sabe o meu nome?
– Meu amigo, sei o nome de cada um nesta Vila.
– E sabe os segredos também?
– De todos não, somente daqueles que me confessam os seus pecados.
– Ah, então o senhor não sabe o meu grande segredo.
– Não sei, mas desconfio de qual seja.
– Além de padre o senhor também é adivinhista?
– Nada disso, eu apenas tenho uma leve suspeita de qual seja o seu grande segredo.
– Essa eu quero ouvir.
– Se você continuar agindo como vem agindo o seu grande segredo deixará de ser segredo.
– O que estou fazendo de errado? Seu Padre, por um acaso, um unicozinho acaso, eu já roubei alguma coisa ou dei amolação pra alguém? Bebo pra esquecer, só isso. Pergunta pros donos de botecos se eu devo alguma coisa. Ganho só um salário de aposentadoria e mesmo assim não dou cano em ninguém. E também nunca falei pra ninguém o porquê eu bebo.
– Não estou me referindo a este segredo, Zé Limão. Se algum dia você quiser se abrir comigo, estarei à sua disposição. Quero conversar contigo sobre outro segredo. E sobre este outro segredo, você fala pra todo mundo.
– Que outro segredo, Padre?
– O segredo sobre Arnaldo e sua família.
– Arre égua, isso por um acaso é segredo? Todo mundo sabe, acontece que eles fingem que não sabem.
– Como é isso, por que você acha que eles fingem que não sabem?
– Ora, sei lá por que. Eu só sei que todo mundo viu o clarão, todo mundo viu o colar brilhar e eu vi com estes olhos que a terra há de comer o homem prateado curando o rapaz. Ah, isso eu vi. Posso ser um bebum, mas não sou doido e nem tenho alucinações. Pois é, eu bebo e o povo é que fica tonto? Por que, de repente, como se nada tivesse acontecido, todo mundo da cidade fala que não se lembra de nada? Muito esquisito, Padre, muito esquisito. Mas eu, Antônio Maria dos Santos Reis, como muito bem disse o senhor, filho de Dona Iolanda e Seu Castilho, não sou doido não. Vai me dizer que o senhor também não se lembra de nada e muito menos que disse que tudo aquilo era um aviso de Deus?
– O tal homem prateado é o maior mistério, este o povo não viu mesmo, mas você disse que o viu, inclusive curando o Januário.
– E vi mesmo. Mas o senhor não se lembra de nada como os outros?
– Aí é que está, meu prezado Antônio Maria, eu me lembro de tudo, mas igualmente, como todos, não vi o homem prateado. Parece que nesta cidade somente você e eu é que ainda temos retidos na memória o que aconteceu. É, realmente, muito estranho. Diga-me o que realmente você viu com relação ao homem prateado.
– Naquela manhã, quando o Arnaldo havia chegado, a cidade estava uma confusão danada. Eu estava passando em frente a casa quando vi o Arnaldo dormindo no banco do alpendre. Achei esquisito. Aí eu vi a porta entreaberta e resolvi entrar pra conferir. Parecia que não tinha mais ninguém na casa. Achei mais esquisito ainda. Olhei prum lado e reparei uma luz azul vindo de um quarto. Cheguei devagarzinho e vi o tal homem prateado apontando um pequeno objeto pro rapaz. Dona Mabélia e as meninas estavam deitadas no chão, parecendo mortas. De repente, o Januário abriu os olhos. O homem prateado falou uma coisa pro rapaz que eu não entendi direito, mas parecia que era algo como “conto contigo”, sei lá. O Januário continuava com os olhos abertos, parecendo que estava que nem eu, bêb… quer dizer, assustado. Aí o homem percebeu a minha presença. Padre, juro por tudo quanto é mais sagrado neste mundo, o homem era todo iluminado de azul. Quando ele me viu, eu pensei que ia fazer alguma coisa comigo, mas não, estendeu-me a mão e eu vi que tinha seis dedos. Aí ele sorriu e me chamou com as mãos. Fiquei assustado e saí em disparada pro primeiro boteco que encontrei. Contei pra todo mundo e ninguém acreditou porque ninguém tinha visto o tal homem prateado. Todos falavam que eu, pra variar, estava bêbado e variando das ideias. Foi isso, Padre.
– Pois é, homem, já se foram seis meses e realmente é como se nada tivesse acontecido. Já conversei várias vezes com o Arnaldo sobre o assunto. Ele sempre diz que, por causa de uma queda do cavalo, teve uma alucinação. E diz que o filho também teve uma alucinação por causa da febre alta. O melhor a fazer é mesmo deixar tudo isso pra lá. Concorda?
– Ora, pra mim tanto faz, eles concordando ou não comigo não vou ganhar nada mesmo com isso. Posso ir, Padre?
– Sim, Sr. Antônio Maria dos Santos Reis, obrigado pelo papo.
– Um dia, se Deus quiser, ainda vou confessar o motivo pelo qual eu bebo.
– Não quer fazer isso agora mesmo?
– Agora não, vamos deixar pra outro dia, pois estou louco pra tomar uma dose caprichada.
– É, Zé Limão, continue assim e quem sabe não dará mais tempo para esta confissão.
– Sem sermão, padre, sem sermão. A sua bênção. Fui!
Padre Alaor fechou a porta lateral da igreja e resolveu dar uma caminhada pela cidade. Como já passava das onze da manhã, imaginou que seria uma ótima ideia fazer uma visita ao Doutor Mangabeira. Seria chegar ao lugar certo na hora certa para pegar um almoço bem caseiro, do qual a esposa do doutor era mestra. Estava a atravessar uma rua quando quase foi atropelado por uma camionete. Ao invés de descer do carro para socorrer o Padre que havia se desequilibrado e caído, o motorista arrancou soltando palavrões. Enquanto alguns moradores socorriam-no, indignados com o gesto do homem, o Padre reparou que o veículo era da concessionária de eletricidade. Na casa do médico, não deixou passar em branco. Ligou e fez a reclamação justa. O atendente informou que não havia nenhuma equipe da concessionária destacada para serviços na Vila naquele dia. Para maiores averiguações, solicitou, se possível, o número da placa. Sem perder tempo, o Padre contou com colaboradores. Em pouco tempo localizaram o veículo parado na porta de uma lanchonete. O condutor bebeu um refrigerante e partiu, pegando a estrada de saída da Vila. Com o número da placa, o padre ligou novamente. Foi informado que a concessionária não possuía nenhum veículo com aquela placa. Agradeceram com a promessa de uma investigação policial. Fato resolvido, o Padre deixou por conta das autoridades e tratou de saborear o almoço. O dia transcorreu calmo, assim como a noite.
O relógio marcava duas horas da manhã do outro dia. Zé Limão estava atravessando a praça principal quando na rua cruzou por ele, lentamente, como que procurando alguma coisa, uma camionete da concessionária de eletricidade. O veículo dobrou uma esquina e seguiu pela rua onde residia Arnaldo. Com cautela, Zé Limão viu o veículo parado em frente à casa dos Mantiqueira. O motorista tirou várias fotos, da casa e das redondezas. Entrou no veículo, arrancou e sumiu. Mesmo com o horário indevido, Zé Limão chamou Arnaldo e lhe contou o que vira. Este, preocupado, imediatamente fez o registro na polícia, que prometeu tomar as medidas cabíveis. Ao amanhecer, resolveu contar ao Padre o que houve. Qual não foi a surpresa em saber que a mesma camionete quase atropelara o pároco na manhã anterior.
– Seria a mesma camionete? – perguntou Padre Alaor.
– O Zé Limão só se lembrou das letras, e são as mesmas da placa que quase te atropelou. Só pode ser a mesma – respondeu Arnaldo.
– Se não é da concessionária, de quem será? E por que tirou fotos da sua casa e das redondezas? Será que estão em busca de alguma coisa?
– Mas em busca de que? O que teria eu para se interessarem em tirar fotos de minha casa na surdina de uma madrugada?
– É muito estranho, Arnaldo.
– Estranho e preocupante. A Mabélia e os meninos estão apavorados. O delegado colocou um policial de plantão no alpendre. Nem assim eles se acalmam.
– Pense bem, Arnaldo, você realmente não teria nada de especial para chamar atenção de alguém?
– O que, Padre? Só se for meu garanhão e a minha vaca Mimosa. Ou seria o meu lindo e potente Maverick?
– Você se aborreceria comigo se eu tocasse no assunto do clarão?
– Ora, padre, o que teria o clarão com alguém tirando fotos de minha casa? Todo mundo sabe e a imprensa já noticiou que foi um meteoro que caiu aqui perto, quer dizer, explodiu antes de cair ao solo e produziu toda aquela luminosidade.
– Será que foi isso mesmo? Lembre-se que depois de algum tempo dele ter caído uma luz subiu.
– Por favor, Padre, não comece com essa ladainha, já está ficando chato. Toda vez que o senhor conversa comigo toca neste assunto. Eu respondo e no próximo encontro vem o senhor com as mesmas perguntas. E não deixa de ser muito estranho o senhor me fazer estas perguntas. Que eu me lembre, o prezado Padre era quem mais defendia a ideia da queda de meteoro, sem falar no tal aviso de Deus. Se isso for continuar aí pra frente sou até capaz de parar de frequentar a igreja.
– Não, não fique nervoso, tenho motivos para te perguntar isso novamente e mais algumas coisas…
– Se for voltar àquele assunto vou me retirar.
– Por favor, Arnaldo, não se apoquente, o assunto é muito mais sério do que você imagina. Eu fiz várias menções de procurá-lo para conversar sobre isso, mas fiquei indeciso. Quando vi você curar o ferimento daquele bezer…
– Padre, um bom dia.
– Arnaldo, nós sabemos de tudo.
– O quê?
– Sim, Arnaldo, é isso mesmo que você ouviu: sabemos de tudo. O Bispo Ednando deve ir a Roma para participar de uma reunião com o Papa e outros Bispos. Vão discutir justamente estes assuntos.
– Que tudo é isso que vocês sabem? E quem são estes que sabem de tudo?
– Arnaldo, a NASA e a Agência Espacial Russa detectaram as radiações de seu colar. Eles sabem qual a origem do colar. E sabem também sobre aquele aparelho que curou o ferimento do bezerro, que eu vi com meus próprios olhos. Eles sabem quem produziu aqueles fenômenos do clarão. Eles só não sabem explicar o porquê as radiações se interromperam misteriosamente. Por falar em colar, você não está usando-o.
– Gente do céu, que loucura toda é essa que o senhor está dizendo?
– Não se faça de sonso, homem. Preste atenção nas palavras: os cientistas sabem a origem de tudo. E o colar, onde está o colar? E aquele aparelho?
– Padre, tenho muito respeito pelo senhor, por isso, vou me retirar numa boa, sem ressentimentos.
– Arnaldo, já passou pela sua cabeça que aquele cara que tirou fotos de sua casa possa estar atrás do aparelho e do colar?
– Quantas vezes vou ter que repetir que aquele colar foi de minha avó e…
– Arnaldo, quantas vezes vou ter que repetir que o Vaticano sabe e muito bem que aquele colar é de origem extraterrena?
– De origem extraterrena?
– Sim, alienígena, de seres de outros planetas.
– Padre Alaor, acredito que o senhor está sendo acometido de alucinações. Sim, eu tive as minhas e agora é o senhor que não está falando coisa com coisa.
– Ora, tenha paciência, homem, eu vi com os meus próprios olhos o efeito daquele objeto no ferimento do bezerro.
– Desculpe, Padre, mas o senhor não está bem. Não seria melhor ir se consultar com o Doutor Mangabeira?
– Tudo bem, tudo bem, deixa estar, não tem jeito mesmo, você vai negar sempre. É uma pena, pois o assunto é extraordinariamente fantástico para ser relegado assim. Que assim seja. Mas nunca se esqueça que sabemos quem são os responsáveis pelos objetos. Não posso deixar de te lembrar quanto à possibilidade daquele homem da caminhonete ter alguma coisa a ver com ele. Cuide-se e fique muito atento, você pode estar correndo perigo.
– Que é isso, Padre, até parece que o senhor sabe de alguma coisa sinistra e não quer me dizer.
– Longe disso, Arnaldo, longe disso. Estou apenas preocupado. Raciocine direitinho comigo: um carro da concessionária de eletricidade que a própria não reconhece como sendo seu para na porta de sua casa para o motorista tirar fotos. Isso é normal? Claro que não. É totalmente suspeito. Por isso estou preocupado. Fique atento.
– Pode deixar, Padre Alaor. Vou ficar de olhos abertos. Sua bênção.
Uma e meia da madrugada, ninguém nas ruas, nas praças e nos botecos. Até Zé Limão estava dormitando. Um pequeno caminhão baú de uma transportadora estaciona bem em frente à casa dos Mantiqueira. Quatro homens encapuzados fortemente armados destrancam, silenciosamente, a porta da sala e entram. Imediatamente amordaçam e amarram os cinco moradores. Sob ameaças de morte, retiram a mordaça de Arnaldo e exigem um diálogo em tom o mais baixo possível. Armas estão apontadas para as cabeças da esposa e dos filhos.
– Quem são vocês? – perguntou Arnaldo, sobressaltado.
– O colar, queremos o colar.
– Que colar?
– Não brinque com a gente, temos pouco tempo. Vamos, rápido, nos entregue o colar.
– Tem um colar na primeira gaveta da cômoda – um dos homens retirou o colar da gaveta e entregou ao parceiro.
– Ora, seu pirralho, que brincadeira é essa, que porcaria de colar é este? Onde está o colar?
– O único colar que temos é esse.
– Olhe para a sua mulherzinha e para seus filhinhos idiotas. Está vendo aquelas armas? Têm silenciadores. É só eu estalar os dedos e todos estarão mortos, sem ninguém ouvir um único ruído. Agora, rápido, o colar.
– Eu já falei, o único colar que temos é este que está na sua mão.
O homem que estava no comando ordenou uma revista na casa. Meia hora de busca e tudo estava fora de armários e guarda-roupas. E nada de colar. O homem insistiu.
– Escuta aqui, ô pilantra, o colar foi detectado por satélites neste local, não tente nos enganar, por isso, vou perguntar mais uma vez: onde está o colar?
– Não tem colar algum aqui, a não ser este aí na sua mão.
– Estou começando a perder a paciência. Cara, temos a localização do colar, não adianta dizer que ele não está aqui. Por um acaso quer perder seus queridinhos, hêim?
– Mas quem são vocês?
– Não interessa. Aliás, digamos que fazemos parte de uma organização internacional que tem muito interesse no colar. Portanto, vai, vai, cadê o colar?
– Mas por que o colar é importante pra vocês?
– Não te interessa, anda, anda!
– Gente, o colar não está mais comigo, ele…
– Como não está mais contigo, por um acaso já o pegaram?
– Não, ninguém o pegou, os Deuses o levaram.
– Ora, deixe de estupidez, que negócio é esse de deuses? Não existem deuses, existe a realidade, somente a realidade. O colar é de alienígenas e por isso a nossa organização precisa dele. Seu tempo está acabando.
– Juro, acredite em mim, os Deuses o levaram.
– Por um acaso você está querendo me dizer que teve contato com os caras do espaço?
– Não são caras do espaço, são Deuses que vieram substituir o nosso antigo Deus que se foi e…
– Cara, você é muito pirado, nada disso me interessa, eu quero o colar, vai, depressa.
– Quantas vezes eu vou ter que dizer que os Deuses o levaram.
– Pare com esta cretinice de deuses, que deuses porcaria nenhuma. Os caras que fabricaram o colar são de outro planeta, de uma civilização tremendamente mais evoluída. Nós estamos na idade da pedra em comparação a eles.
– Não, não tem nada de extraterrestres, eles são Deuses, tão poderosos como o nosso antigo Deus, pai de Jesus Cristo e…
– Para, para. Não vai nos entregar o colar?
– Por favor, acredite em mim, o colar está com os Deuses.
– Qual é o nome do seu filho e quantos anos tem?
– Januário e vai fazer dezenove.
– Escuta aqui, ô rapaz, e vocês três aí. Vocês nunca mais vão ver este papaizinho do inferno aqui. Voltaremos outro dia. Se quando voltarmos o colar não nos for entregue, será a vez de todos vocês partirem desta para uma pior, isto é, vão arder nas chamas do inferno, lá onde a água mais fria é a fervente, cada um com um balaço nos miolos. Vamos tirar as mordaças e desamarrá-los. Vão ficar no quarto, sem dar um pio sequer. Enquanto não tivermos saído daqui tratem de ficar em total silêncio. Depois que não mais ouvirem o barulho do caminhão, podem sair e chamar até o Papa. Se eu escutar um pio sequer, volto e mato todos vocês. Vamos!
Mabélia e os filhos foram deixados no quarto. Os quatro encapuzados, levando Arnaldo, entraram no caminhão e saíram da cidade. Dois quilômetros após, pararam no acostamento. Puseram Arnaldo em pé na estrada e ordenaram-lhe que se afastasse lentamente e que não olhasse para trás. Foram os últimos passos de sua vida. No silêncio da madrugada, uma bala silenciosa cravou-se em seu crânio. Arnaldo caiu à beira da estrada para nunca mais se levantar. Ao longe, o caminhão seguiu o contorno da estrada e desapareceu no meio da escuridão.
* Texto: Eitel Teixeira Dannemann.
* Foto: Desenho e montagem de Eitel Teixeira Dannemann.