PAZOLIANA − CAPÍTULO 8: OS DEUSES SE AFASTAM

Postado por e arquivado em CANTINHO LITERÁRIO DO EITEL.

“É na mudança que encontramos um objetivo”. (Heráclito de Éfeso − 535 a.C. – 475 a.C.)

Segunda-feira, 25 de abril de 1974. A Rádio Clube de Pico da Glória anunciou um golpe militar em Portugal, que depôs o regime ditatorial do Estado Novo, vigente desde 1933, golpe este denominado Revolução dos Cravos. Enquanto isso, em algum ponto do espaço, os Deuses, que se lixavam para os acontecimentos lusos e para o governo militar brasileiro, monitoravam cada centímetro quadrado da Terra. Eram oniscientes e onipresentes. E como oniscientes e onipresentes, perceberam logo que o projeto estava correndo perigo. Aquela quantidade de objetos terráqueos no espaço havia detectado os seus “odores” há muito tempo presente nos ares do planeta. Seria necessário um adiamento estratégico. Oh, nem bem escolheram os soldados para a batalha e já precisariam dar um tempo. Não que o perigo fosse real no tangente às suas integridades físicas. Os Deuses tinham poder mais do que suficiente para destruir o planeta Terra ou qualquer arma a mais desenvolvida que fosse e, instantaneamente, repovoá-lo. Mas eles não podiam ter um confronto com os terráqueos no momento, pois lhes faltava energia suficiente para abastecer todas as naves. Além do que, na verdade, eles queriam dominar o planeta serenamente, aos poucos, inflando a Terra com a sua genética até que todos fossem iguais a eles. Como foram descobertos, e para evitar qualquer tipo de combate, resolveram adiar o projeto por algum tempo necessário. Para tanto, naquela noite entraram em contato com Arnaldo. A luz do colar acendeu e a família se portou exatamente como o instruído. Depois que se deram as mãos, sentiram seus corpos se elevando no ar. Tudo estava escuro, mas a escuridão era recheada por pontos luminosos. Perceberam uma infinidade de estrelas. Estavam viajando pelo espaço. Pouco tempo após, sentiram que estavam descendo. Viram-se sentados numa superfície lisa e linda como o mais belo dos cristais. Uma tênue luz azulada se fez presente acompanhada por uma densa neblina, que foi se espalhando. Desta neblina rala surgiram Sued e Etnaduja. Postaram-se em frente à família. Seus semblantes eram serenos e repletos de paz. Convidaram os terráqueos a ocuparem lugares numa mesa redonda de um material que eles nunca tinham visto. Não era vidro, não era metal, não era madeira. O que seria? Foram despertados da curiosidade pela voz de Sued, que se manteve em pé.

– A paz de Sued esteja convosco.

– Assim seja – disse em coro a família.

– Prezado Arnaldo, se não estou enganado, todos vocês gostaram desta mesa, certo?

– Sim, é linda, imponente e de um material que não estou reconhecendo. Mas por que ela é redonda e não triangular como é comum nas mesas de reunião lá da Terra?

– Muito bem observado, prezado. Decerto já ouviu falar da história do Rei Arthur e dos Cavaleiros da Távola Redonda.

– Para falar a verdade não…

– Eu conheço – atalhou Januário. Até vi um filme sobre eles. Mas o que a mesa tem a ver com eles?

– Tudo, meu caro, tudo. Rei Artur é uma figura das lendas britânicas do século VI que comandava os Cavaleiros da Távola Redonda na luta contra invasores de seu Reino. Ele era adorado pelo seu povo, pois havia justiça acima de tudo. Para os historiadores, ele nunca existiu, mas eu sei muito bem o quanto foi justo com seus súditos. Eram chamados de Cavaleiros da Távola Redonda porque se reuniam numa mesa redonda para que todos eles, incluindo o Rei, se sentissem iguais. Assim também é conosco. Por isso, fiquem bem à vontade e sintam-se como um de nós.

– Poxa, mas isso é muito interessante – voltou a falar Arnaldo. E de que é feita esta mesa?

– É um composto mineral processado não existente na Terra. Por ora, vocês não compreenderiam o modo como ele é fabricado. Terão tempo para isso. Vamos ao que interessa. Você havia me perguntado o porquê os nossos primeiros encontros se deram à noite numa floresta fechada e durante um tempo chuvoso. E também qual foi o motivo do enorme clarão. Foi isso mesmo?

– Sim, Sued, desculpe a minha curiosidade, quer dizer, as minhas curiosidades.

– Não tem o que desculpar, meu bom homem, eu já lhe disse que tem toda a liberdade para perguntar o que quiser. Não te entristeças salvo por te encontrares longe de Nós, nem exultes, a menos que te estejas aproximando, de regresso a nós¹. Você e sua família são estudiosos do livro sagrado dos cristãos. Sabem muito bem que o aparecimento de Deus a seus protegidos quase sempre esteve relacionado com intensas luzes, carruagens de fogo e ribombares de trovão. Não foi explicado no livro, mas o que provoca estes fenômenos são os nossos deslocamentos rápidos pelo ar. Quando descemos à atmosfera terrestre com uma velocidade muito alta, o atrito aquece o nosso corpo. À noite, aparece aquele risco luminoso no céu. O encontro foi programado naquele terreno íngreme com o único propósito de causar-lhe êxtase e dificuldade, isto é, para chamar a sua adequada atenção, o que foi conseguido com louvor. Não haverá mais encontros naquelas condições. O clarão provocou mais estupor na população do que a gente desejava, por isso tivemos que amainar as mentes do povo para que vocês possam trabalhá-las sem atribulações.

– Sim Sued, mas houve alguém que não foi atingido, o Pa…

– Sim, o Padre Alaor. Pelo nosso constante monitoramento à casa de vocês registramos o momento em que o Padre lá esteve e presenciou o uso do aparelho. Talvez na noite em que trabalhamos nas mentes, o Padre não estivesse na Vila e nem em Pico da Glória. Fica agora por sua conta convertê-lo através do colar, se considerar conveniente.

– Mais uma vez, Sued, perdoa a humildade de seu servo. No nosso último encontro, ao nos despedirmos, caímos numa espécie de sono e de repente nos vimos ao lado do carro. O que aconteceu?

– Prezado Arnaldo, a luz brilhou sobre ti, do horizonte do Monte Sagrado, e, no Sinai de teu coração, o espírito da iluminação insuflou-se. Livra-te, pois, dos véus das vãs fantasias e entra em Minha corte, a fim de estares preparado para a vida eterna e digno de Me encontrar. Assim a morte não te poderá atingir, nem a lassitude, nem a tribulação¹.

– Mas, mas…

– Meu bom homem, sou Deus Todo Poderoso, a ti, transporto aos confins do universo. Minha majestade é Meu dom a ti; Minha grandeza, o sinal da misericórdia que te concedo. O que Me é digno, ninguém haverá de compreender, nem pessoa alguma relatar. Verdadeiramente, Eu o preservei em Meus relicários ocultos e nos tesouros de Meus mandamentos, em sinal de Minha misericórdia a Meus servos e de Minha graça a Meu povo¹.

– Oh, louvado seja Sued – disse Arnaldo ajoelhando-se ao chão acompanhado pela família. Sou seu humilde servo e por isso vais me perdoar por querer desanuviar outra dúvida.

– Diga.

– O que há de vital para Vocês naquelas montanhas?

– Por enquanto vocês ainda não estão aptos a assimilar o que nos atrai àquelas montanhas. Muito breve, irmãos, muito breve serão possuidores de todos os nossos segredos. Quando este dia chegar, serão como um de nós, pois tu és Minha lâmpada, e Minha Luz está em ti. Que obtenhas dela o teu resplendor e não aspires a outro senão a Mim; pois Eu te criei rico e generosamente derramei sobre ti as Minhas graças¹.        

Profundamente emocionados, os cinco Mantiqueira prostraram-se várias vezes ao solo em respeito ao seu novo Deus. Durante alguns segundos ficaram em silêncio, até que Sued voltou a falar.

– Quando os profetas, Jesus Cristo e seus apóstolos andavam pela terra espalhando a bondade de seus corações não haviam olhos e nem ouvidos mecânicos. Somente os olhos do Pai os enxergavam; somente os ouvidos do Pai os escutavam. De lá para cá, o homem se desenvolveu e criou máquinas que veem e ouvem. São os radares e os satélites. Estes olhos e ouvidos mecânicos detectaram a nossa presença. No momento, não podemos ser vistos nem ouvidos. Vocês leram no Livro Sagrado sobre o nascimento e os primeiros anos de vida de Jesus Cristo. Quando descobriram que aquela criança era o Messias, quiseram-no matá-lo. Por que o Pai não se revoltou e destruiu aqueles que queriam matar o seu único filho? Simplesmente porque Deus pregava a paz. Para fugir de seus perseguidores, os pais terrenos do Messias o esconderam durante muitos anos. Na verdade, o Messias se retirou estrategicamente. Ele só reapareceu nas Escrituras com a idade de 30 anos, para doar a sua vida em prol da salvação da humanidade. Poucos assimilaram aquele gesto de Cristo. Estes poucos estão hoje sentados ao lado direito de Deus, que, como eu disse, após tantas desilusões provocadas pelo seu arqui-inimigo Satanás, abandonou definitivamente a Terra levando todos os seus protegidos. A humanidade continuou podre e perdida. Quase dois mil anos depois, estamos aqui na Terra como os novos Deuses, com a mesma missão de Deus Pai de Cristo: criar um mundo harmonioso onde a paz seja infinita entre os irmãos.  Assim como Jesus Cristo foi identificado como o Messias e teve que se ocultar durante um tempo determinado, assim se sucederá conosco. Descobriram que somos os novos Messias. Querem nos atacar, mas não queremos embates com o homem. Como se sucedeu com Cristo, vamos nos ausentar durante um determinado período de tempo, suficiente para que nos esqueçam. De uma hora para outra voltaremos com força total e então estaremos, juntos com vocês, os nossos apóstolos, pronto para criarmos a nossa nova era onde a paz será o nosso símbolo.

Mais momentos de silêncio emocionado. A família Mantiqueira encarava os olhos uns dos outros e estava sem compreender adequadamente a situação. Afinal de contas, havia se passado tão pouco tempo desde o primeiro contato e já se viam em vias de separação. Sued ocupara a sua cadeira. A postura era a de um nobre rei, olhava alternadamente para os Mantiqueira com olhos ternos como a admirar um filho recém-nascido. Com um gesto impercebível, passou a palavra a Etnaduja.

– Arnaldo, já leu, ouviu em rádio ou na TV alguma coisa a respeito de agências espaciais?

– Se não me engano são elas que enviam foguetes ao espaço, como os satélites. No ano passado eu até acompanhei pela TV o lançamento de um chamado… chamado…

– Skaylab.

– Sim, isso mesmo, inclusive estiveram hospedados nele vários astronautas.

– As duas mais poderosas agências espaciais são a NASA e a Agência Espacial Russa. Já ouviu falar delas?

– Pelo pouco que sei, se não me engano, a NASA é a responsável pelo Projeto Apollo que levou o homem à Lua e foi quem lançou a Skaylab. Quanto aos russos, acho que foram eles os primeiros a chegar ao espaço, não foram?

– Muito bem, Arnaldo, que bom saber que você é dotado destes conhecimentos. Nós não esperávamos que essas duas agências espaciais tivessem uma tecnologia que pudesse nos detectar. Pois esta tecnologia detectou as radiações do seu colar e de nossas investidas às proximidades da Vila.

– Como Sued disse, nos tempos de Cristo Ele foi considerado o Messias ainda quando criança e por isso foi obrigado a se ausentar por longos anos. No caso agora, os radares e os satélites os detectaram, por isso também vão se ausentar por um tempo. Lá o Pai não quis usar seus poderes. E aqui, vocês também não vão usar os seus poderes. Vocês têm os mesmo poderes que Deus, não têm?

– Sim, temos os mesmos poderes, tanto que sabemos que eles detectaram as nossas nav…, quer dizer, detectaram as radiações do colar. Por causa disso, logo estarão à sua procura para tentarem roubá-lo. Talvez até já saibam que vocês estão de posse de um aparelho Osorgalim. Tanto o colar quanto o Osorgalim não podem cair nas mãos dos terráqueos sob hipótese alguma.

– O que isso significa, podemos estar em perigo de vida? Se eu e minha família estivermos em perigo de vida, façam que nem o nosso antigo Deus fez. Posso citar inúmeros casos em que Deus protegeu da morte os seus eleitos. Sim, nos proteja.

– Sim, Arnaldo, vamos protegê-los, mas queremos fazer diferente do que fez o seu antigo Deus. Não queremos provocar mortes e nem enviar pragas a ninguém.

– Essa eu não entendi. Como seria nos proteger diferentemente do que fez Deus naqueles tempos? Não querem provocar mortes e enviar pragas?

– Se mantivermos o colar e o aparelho contigo, você e sua família serão alvos de investidas dos americanos, russos e quiçá outros países. E até do Vaticano. Para te protegermos, teríamos que eliminar vidas, e isso não pretendemos agor… em hipótese alguma.

– O que o Vaticano tem a ver com tudo isso?

– Como eu disse anteriormente, o Vaticano não sabe que o Deus pai de Jesus Cristo abandonou a Terra. Sabemos que aquele padre, de nome Alaor, teve ciência dos poderes do Osorgalim, e tudo contou ao bispo, que, obviamente, passou ao Papa. Eles acreditam que o colar e o aparelho são coisas do demônio, que vocês chamam de Lúcifer, que igualmente foi embora daqui e o Vaticano também não sabe disso. Então, pensando que o colar e o aparelho são coisas do demônio, o Vaticano fará tudo para eliminá-los na certeza de que estarão praticando um ato de fé cristã. Entendeu?

– Neste ponto é compreensível, mas qual o interesse teriam as agências espaciais no colar?

– Para falar a verdade, não seriam bem a NASA e a Agência Espacial Russa. Elas simplesmente detectaram as radiações. De posse dos dados coletados, elas vão repassar as informações para os departamentos de inteligência de cada país. No caso dos EUA, seriam o FBI e a CIA. No caso dos russos, a KGB.  Este pessoal, enfim, tentaria lhe tirar os objetos.

– Por que, que finalidade teriam para fazer isso?

– Porque consideram qualquer fenômeno anormal como perigoso aos seus países. Eles consideram, sem ter a mínima noção de que o colar e o Osorgalim são coisas nossas, os seus novos Deuses, que são tipos de armas do outro país, e por isso temem ser perigosas para eles.

– É, parece lógico. Mas como vai ser este adiamento?

– É só por algum tempo. O colar e o aparelho ficarão conosco. Não estando eles funcionando na Terra, as radiações estarão ausentes e, lógico, não serão captadas durante algum tempo. Este tempo adequado será o suficiente para esquecerem-se deles. Aí, então, retornaremos ao projeto.

– Que tempo é esse?

– Para nós serão apenas cinco dias, mas para vocês serão longos cinco anos.

– Por que tanto tempo? Oh, senhor, não se foram nem dois meses que estamos em vossa presença.

– Sim, compreendo, foi muito pouco tempo. Mas precisamos nos ausentar, e os cinco anos serão o tempo que consideramos conveniente. Lembrem-se que Jesus Cristo andou sumido por quase trinta anos.

– O que faremos durante todo este tempo? Puxa vida, cinco anos. Não esperava por essa.

– Serão necessários estes cinco anos, não há alternativa. Enquanto isso, continuarão as suas vidas regularmente com aquele procedimento de que tudo não passou de alucinações.

– Sem o colar comigo, como entrarão em contato conosco?

– Estarei acompanhando todos os seus passos, no devido tempo receberá o meu chamado. Dê-me agora o colar e o Osorgalim.

Terminadas as orientações, Sued se levantou e abençoou a todos, o mesmo fazendo Etnaduja. Retiraram-se deixando a família a sós. Poucos segundos depois, apareceu outro homem prateado, outro anjo, que orientou os Mantiqueira a ficarem juntos um ao lado do outro. Depois também se retirou. Como se fossem arrancados de um sonho eterno, a família Mantiqueira abriu os olhos e se viu numa escuridão tremenda. Januário caminhou com os braços estendidos procurando um ponto de apoio. Logo tropeçou num objeto macio. Apalpando-o, percebeu que era o sofá da sala. Mais um pouco, alcançou o interruptor. Imediatamente, todos estavam de pé, serenos e tranquilos. Arnaldo, num instinto, passou a mão pelo pescoço e não sentiu o colar. Num outro instinto, reuniu a família, aconchegando-se todos no sofá.

– Quero saber de um por um. Mabélia, tudo muito bem claro?

– Sim, Arnaldo.

– Januário.

– Sim, pai.

– Mara.

– Tudo certo, papai.

– Sofia.

– Papai, não vamos mais morar naquela casa?

– Por enquanto não, filha. Quero saber o que você tem que fazer.

– Papai, eu não sei de nada, não é?

– É isso mesmo, é só ter um pouquinho de paciência que logo vamos morar no meio daquelas luzes. Você gostou daquelas crianças?

– Quero conhecer elas melhor.

– Muito breve, Sofia, muito breve. Apenas faça tudo aquilo que o papai falou, certo?

– Pode deixar, papai, farei direitinho.

– Enquanto a família Mantiqueira curtia o aconchego do lar, já se preparando para os longos cinco anos de espera, lá no vácuo e no breu do espaço os Deuses confabulavam:

– Como estão os reparos – perguntou Sued.

– O senhor bem sabe, comandante, que aquele quasar² causou avarias em todas as nossas naves, mas considero que estão dentro das expectativas.

– O escudo invisível já funciona?

– Sim.

– E a energia?

– A base de Netuno já processou muito mineral. Temos o suficiente para nos mantermos incógnitos e para a nave cargueira buscá-lo.

* 1: Do livro “As Palavras Ocultas de Bahá’U’Lláh”.

* 2: Objeto astronômico distante e poderosamente energético com um núcleo galáctico ativo. São fortes emissores de ondas de rádio e colossais emissores de luz. Muitos liberam imensos jatos de partículas radioativas.

* Texto: Eitel Teixeira Dannemann.

* Foto: Desenho e montagem de Eitel Teixeira Dannemann.

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