A mais contundente lembrança que tenho se firmou quando estive pronta. As almas que me construíram foram para o outro lado da rua e pensaram alto se perguntando: – É, não é que ficou bonitinha? Olha só que desplante, eu somente bonitinha, com essa arquitetura diferenciada, cheia de detalhes que só os imóveis de antigamente tem. Quem trafegar cá para os meus lados¹ vai reparar em muitas colegas como eu, de acabamentos apurados em comparação com os caixotes que são construídos já vem de muito tempo. Mas, deixa pra lá, nem sei por que estou comentando isso. Os tais caixotes me trazem tristeza, eles são sinônimos de passagem. Aqui dentro de mim conheci almas que se transformaram unicamente em passagens do tempo. Foram-se, deixaram suas marcas e cá estou como se fosse um rascunho de suas vidas. Eles se foram, outros estão ainda aqui, até que também um dia se ausentarão para sempre nas brumas da eternidade. E eu, até quando me encantarei com os amanheceres, entardeceres e anoiteceres desse recanto que surgiu com a doação de um terreno a Santo Antônio?
Sádica sina a de todos os imóveis. São erguidos com alegria, pujança na qualidade do que pôde ser feito, na energia orgânica que conclusiva se afigura na felicidade do lar. Ainda cheirando a tinta, até o mais rabugento dos gatos, até o mais enfadonho dos cães, se regozijam com o novo. Pelo sumidouro chamado tempo as células envelhecem e enrugam, as paredes trincam e a tinta se solta. Manipulações são feitas, correções estéticas que nunca vencerão a morte, ações para se tentar um pequeno prolongamento de vida, até que, infalivelmente, as trevas tomam o poder. Todo ser humano sabe disso, mas não se conforma. Quanto a nós imóveis, somos erguidos, derrubados, erguidos, derrubados… infindavelmente. Sei que o meu fim está próximo, e que cederei lugar a um edifício. É a sina. Vou em paz, sabedora que desde o primeiro tijolo assentado passei a pertencer à História de Patos de Minas. E quando eu não mais existir, deixarei saudade!
* 1: Rua Marechal Floriano, entre Rua Dr. Marcolino e Rua Dona Luiza.
* Texto e foto (11/03/2018): Eitel Teixeira Dannemann.