DEIXAREI SAUDADE – 35

Postado por e arquivado em 2017, DÉCADA DE 2010, FOTOS.

Meu estado físico dispensa palavras. O que interessa é o porquê fiquei assim, porque fui drasticamente abandonada. Doem muito os olhares indiferentes das pessoas que não reparam na brutalidade que fizeram comigo. Lá se foram as almas que me habitavam, sabe-se lá para onde, sabe-se lá qual o motivo que as fizeram jogar-me nesta grande amargura depois de tanto tempo amparando-as das agruras do tempo. Dentro de mim elas foram felizes. Por que foram embora e fizeram esta crueldade de vedarem-me os olhos e a boca? Para eu não perceber a minha degradação física? Ingratos, desumanos, isso é que eles são. Hoje o que me domina é o medo do pressentimento. Tenho o pressentimento, mas tenho medo de senti-lo, pois ele dói como uma punhalada no coração. Está aqui, na memória da minha carcomida carcaça, o que aconteceu com a minha colega que viveu aí à direita. De um dia para o outro estava no chão e em seu lugar surgiu este baita prédio. Sinto frio, tremores, muito medo, não vejo nada, apenas pressinto o pior em meu medo.

Quando nasci neste chão, hoje Rua Dona Luíza entre sua colega Marechal Floriano e Farnese Maciel, eu era diferente das demais de minha espécie, com uma arquitetura legal, moderninha para a época. As ruas tinham duas temporadas: barro e poeira. Logo ali passavam os carros de boi em direção à ponte antiga do Rio Paranaíba. Pelo meu passeio vagaram muitas mulheres da vida, até que um dia toparam com o Frei Antônio de Gangi¹. Tudo isso, toda a minha existência ficou para trás. Agora, todo dia é o fim do mundo para mim. Não me importam mais terremotos no México, furacões no Caribe e nem mesmo a podridão que domina a política brasileira. Estou no fundo do poço, esperando o meu fim. A morte será meu fim e o início de vida para outro imóvel.  Ainda assim irei em paz comigo mesma, sabedora convicta de que desde o primeiro tijolo assentado passei a pertencer à História de Patos de Minas. E deixarei saudade!

* 1: Leia “Frei Antônio de Gangi e Sua Investida Contra as Prostitutas” e “Capa Sensacionalista do Jornal Última Hora Sobre a Luta de Frei Antônio de Gangi Contra a Prostituição em 1962”.

* Texto e foto (27/08/2017): Eitel Teixeira Dannemann.

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