DEIXAREI SAUDADE – 45

Postado por e arquivado em 2018, DÉCADA DE 2010, FOTOS.

É fato que nunca serei reverenciada como os casarões do escol. Aprendi, desde que humildemente fui erguida e habitada¹, que os holofotes iluminam somente os fortes, os poderosos endinheirados. Entretanto, eles, os considerados construtores da cidade, muito vagaram por estas bandas da alegria perniciosa. Nunca me meteram – sem trocadilho – em confusão, mesmo sendo plantada entre antros de fornicação. Por aqui em volta transitavam a plebe e a elite em busca de tentações. Mas as almas que me habitavam era gente trabalhadora que na simplicidade de meu ventre acolhia-se na calada da noite e acolá ouviam gemidos especulativos. Homens que sem condições de satisfazer seus íntimos desejos, empanturravam-se de cachaça nas várias biroscas da redondeza, despojavam-se da moral e transtornavam a vida dos quietos. Isso só teve um fim quando o capuchinho Antônio de Gangi pôs-se em ação².

Dizem que os gentis são corajosos, que a humildade deles pode afastar os malefícios da soberba. No meu caso, um simples imóvel que nasceu sem muitos pendores, que sofreu transformações estruturais de nenhuma beleza estética, sinto apenas as vibrações metabólicas das almas que preenchem meus vazios. Foram muitos e teve até um cachorro que morreu envenenado por uma escória qualquer. Arrisco até em declarar que me sinto sofisticada pela minha humildade, sabedora que, se nunca passei do que sou hoje, jamais serei algo além da atualidade. É a conformação fatal e letal. Fatal, pela realidade; letal, por presenciar, dia a dia, a destruição de muitas de minha espécie para ceder lugar aos prédios. Cada vez que as almas que me habitam saem e voltam, contrita me sinto na ilusão da eternidade. Um dia, dolorosamente perceberei que as almas que me habitam não voltarão nunca mais. E mortalmente ferida, levarei para o além a certeza de que desde o primeiro e humilde tijolo assentado, sou parte da História de Patos de Minas. E, na minha eterna humildade, deixarei saudade!

* 1: Rua Marechal Floriano entre a Rua Barão do Rio Branco e a Praça dos Bandeirantes.

* 2: Leia “Frei Antônio de Gangi e sua Investida Contra as Prostitutas” e “Capa Sensacionalista do Jornal Última Hora Sobre a Luta de Frei Antônio de Gangi Contra a Prostituição em 1962”.

* Texto e foto (11/03/2018): Eitel Teixeira Dannemann.

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