Não tenho mais esperanças. Tudo está mudado. Até o Céu está mudado. Antigamente era difícil presenciar um Céu sem uma nuvem sequer, tão azulzinho assim. Dizem que chorar alivia a dor e sorrir torna tudo mais bonito. Nada disse vale para mim, pois posso chorar o dia todo e a minha dor estará encrustada em minhas paredes. Posso sorrir o dia todo e nem este Céu azul se tornará bonito para mim. O que se deve fazer quando se está perto do fim? Há pouco tempo, duas almas que me habitam conversavam. Uma disse à outra: – Não se prenda ao passado, construa com ardor o seu futuro. Este é o famoso quem pode, pode, quem não pode se sacode. Ora bolas, eles são seres humanos e eu apenas um imóvel. Eles podem se dar ao luxo de tomar decisões. Eu, um amontoado de tijolos e telhas, estou nas mãos da especulação imobiliária. E esta, ó triste realidade, não tira os malignos olhos de cima de minha carcaça carcomida pelo tempo.
Quando nasci neste chão, hoje Rua Dona Luíza entre sua colega Marechal Floriano e Avenida Brasil, eu era bem arrumadinha em comparação com as demais de minha espécie. As ruas tinham duas temporadas: barro e poeira. Logo ali passavam os carros de boi. Pelo meu passeio vagaram muitas mulheres da vida, até que um dia toparam com o Frei Antônio de Gangi¹. Meu construtor foi amigo do marceneiro Clóvis Simões da Cunha², cuja indústria era logo ali dobrando a esquina. Vivi a intensa movimentação de ônibus da garagem aqui ao lado. São tantas lembranças…
Pelo meu estado físico, pelo que ouço constantemente das almas que me habitam, meu destino está traçado. Mais dia ou menos dia sentirei o desprazer do desmanche. A dor é profunda, afiada como uma espada viking dilacerando as lembranças como se fosse carne viva. Ainda assim irei em paz comigo mesma, sabedora convicta de que desde o primeiro tijolo assentado passei a pertencer à História de Patos de Minas. E deixarei saudade!
* 1: Leia “Frei Antônio de Gangi e Sua Investida Contra as Prostitutas” e “Capa Sensacionalista do Jornal Última Hora Sobre a Luta de Frei Antônio de Gangi Contra a Prostituição em 1962”.
* 2: Leia “Clóvis Simões Cunha: Guaratinga, 30 de Janeiro de 1944”.
* Texto e foto (27/08/2017): Eitel Teixeira Dannemann.