Quem passa por mim logo percebe que sou antiga, tão antiga que não tenho a mínima ideia de quantas almas eu aconcheguei enquanto fui residência, até de um religioso muito importante na Cidade¹. São tantos anos de vida que nem me lembro mais quando deixei de ser residência para ser comércio, variados comércios. Durante muito tempo nesse entra e sai de comércios de dentro de mim, fui levando a vida sem maiores transtornos, até que uma das lojas descaracterizou uma parte de minha estrutura centenária. Continuando o entra e sai de comércios, recentemente pegaram pesado comigo e começaram a me descaracterizar mais ainda, incluindo minhas portas e janelas. Sabe-se lá o que aconteceu, a obra foi paralisada e eu fiquei como uma incisão não suturada, uma aparência nada agradável². Pouco tempo depois, vieram de novo, mexeram em mim e depois sumiram, deixando-me mais desagradável ainda, com um monte de entulho nas minhas portas³. Assim fiquei sei lá quantos meses, até que resolveram recolher o entulho. Veio a calmaria, mas continuo desfigurada, maltratada, humilhada e não tenho a mínima ideia de qual vai ser o meu destino. Por que fazem isso comigo? Entre os humanos é dito que os idosos têm prioridade de pronto atendimento. Pelo visto essa norma não funciona com imóveis, por mais antigo que seja, como é o meu caso. Tremenda falta de respeito. Sinto-me como um sujeito que esperou tanto tempo por uma cirurgia pelo poder público que acabou falecendo. É, estou morrendo e a minha cirurgia não vem. Sei que faço parte da História de Patos de Minas, mas sou obrigada a resignar-me e esperar a morte, pois sei que, indubitavelmente, ela chegará, e nesse dia, deixarei saudade!
* 1: Leia “Antiga Residência do Cônego Getúlio em 1883”.
* 2: Leia “Petecaram a Casa Onde Morou Cônego Getúlio”.
* 3: Leia “Sofrida Ex-Residência do Cônego Getúlio”.
* Texto e foto (04/10/2022): Eitel Teixeira Dannemann.