Há uns quatro meses, por aí, um cãozinho órfão caminhava pelo meu passeio quando parou bem à minha frente, sentando-se na posição característica. Olhou-me fixamente durante uns dois minutos, meneando a cabeça para um lado e para o outro, perscrutando com certeza o meu estado físico. Depois, se levantou e antes de desaparecer das minhas vistas na Rua Prefeito Camundinho¹, ainda deu uma espiada com um semblante de piedade. Imediatamente apoderou-se de mim uma meiga afinidade por aquele cãozinho, por ele ser igualmente abandonado como eu. Senti no seu olhar faiscante o dom da premonição, o saber de alguma tragédia iminente, sem eu saber se ele sabia de alguma coisa a meu respeito ou, quem sabe, a respeito do próprio. O que o cãozinho quis me dizer?
De lá para cá, totalmente às escuras e sentindo mais do que nunca as agruras da solidão, só penso naquele cãozinho e no que representou aquela visita inesperada. Um turbilhão de pensamentos invadiu minhas entranhas, meus vazios, meus ecos, minhas goteiras, minhas escarificadas e maltratadas paredes, minhas portas e janelas já com sinais de ferrugem. Por que, de repente, as almas que me habitavam escafederam-se? Por que, depois de tantos anos recebendo o meu aconchego, resolveram me descartar sem ao menos um até logo? Só quem já sentiu ingratidão na vida pode me entender. Eu, que já fui considerada uma linda casa de arquitetura diferenciada, admirada por muitas colegas ao redor que, ora, quantas sentiam inveja de mim. Até as visitas consideravam-me diferente. De que adiantou tudo isso? Para, num estalo de dedo, descartarem-me? Oh, cãozinho, agora sei que o meu destino está atrelado ao seu. Era isso o que você queria me dizer, não é? Sim, é isso sim, o meu fim está próximo, cãozinho premonitório. Obrigado por me alertar, e quando chegar o trágico dia D, partirei com a verdade insofismável de que sou parte da História de Patos de Minas. E deixarei saudade!
* 1: O imóvel está localizado à Rua Cônego Getúlio, no quarteirão entre suas colegas Prefeito Camundinho e Rui Barbosa, no Bairro Cônego Getúlio.
* Texto e foto (15/04/2018): Eitel Teixeira Dannemann.