DEIXAREI SAUDADE − 180

Postado por e arquivado em 2021, DÉCADA DE 2020, FOTOS.

Reparou aí no meu quintal um pé de manga? E à direita o bitelo representante do progresso que atrozmente vem ocupando os nossos lugares? Reparou à esquerda a minha vizinha com também árvores no quintal? E lá atrás mais bitelos representantes do progresso que atrozmente vem ocupando os nossos lugares? E não está aparecendo à minha frente um mais bitelo ainda em fase final de construção, esse que assusta mais do que os outros juntos. Nós todas daqui¹ estamos sendo cercadas pelo atroz progresso que responde pelo nome de edifícios. Sim, esses monstrengos que estão nos devorando, uma a uma, sem piedade alguma. Ninguém tem piedade de nós, a começar pelas almas que a gente acalenta com tanto carinho. É assim na base do vapt-vupt, quando pensamos que estamos tranquilas eis que chegam as máquinas e nos transformam em entulhos para que nos nossos lugares de nascença surjam esses malditos edifícios. E assim, vão-se os quintais, vão-se as árvores, vão-se as noites de bate-papo no passeio e até os galos, pois nos idos tempos todos os quintais tinham seus galos e suas respectivas amásias. Já reparou que sou daquele tempo de fachadas no passeio? Belos tempos que não voltam mais, nunquinha mais. O que me resta então? Ah, lembrei-me de uma música que na época tocava direto aqui dentro de mim, e que não representava nada pra mim, mas que hoje, um trecho dela tem tudo a ver com o progresso: Eu era alegre como um rio, um bicho, um bando de pardais, como um galo, quando havia, quando havia galos, noites e quintais². Anotem aí: galos já não existem mais, noites de bate-papos no passeio não existem mais, e chegará o dia em que não haverá um único quintal nessas redondezas, mas sobreviverão esses aborrecidos pardais. Assim, meu destino já está decretado, e como as minhas semelhantes que se foram e hoje fazem parte da História de Patos de Minas, assim serei mais uma, e como elas, deixarei saudade!

* 1: O imóvel localiza-se na Rua Ataualpa Dias Maciel em frente ao final da sua colega Alfredo Borges, no Bairro Rosário.

* 2: Trecho da música “Galos, Noites e Quintais”, do álbum “Coração Selvagem” de Belchior, gravado em 1977.

* Texto e foto (02/10/2021): Eitel Teixeira Dannemann.

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