DESASTRADO AZARADO, O − 2/4

Postado por e arquivado em CANTINHO LITERÁRIO DO EITEL.

Após exaustivas três horas de arrumação, Ambrósio tomou um refrescante banho e deitou lendo a revista que comprara. Mas ele não conseguia ler atentamente, pois a figura de Patrícia não saia de sua cabeça. Não saia de sua cabeça por dois motivos: ela era linda e ele tinha a nítida impressão de que a mulher não lhe era estranha. Pensou, pensou, pensou, até que fragmentos de uma realidade do passado começaram a surgir em sua mente. Ele se via ainda criança brincando na fazenda do Seu Amarildo no tempo em que seu pai era vivo e trabalhava lá. Lembrou-se de que o fazendeiro tinha duas filhas, e que raramente tivera contato com elas, a não ser quando chegava mais perto da sede. E foi numa dessas que conheceu uma das irmãs. O contato foi pouco, mas os momentos os mais doces de sua vida juvenil. Mas ele não conseguia lembrar o nome da menina. Mais e mais fragmentos do passado inundavam sua mente. Aos poucos o rosto da menina foi-se formando até que ele o transferiu para o semblante de Patrícia. Eureca! A Patrícia que ele conhecera na loja era a filha do Seu Amarildo, aquela doce menina de há muitos anos. Mesmo com a conjugação de fatos, Ambrósio ainda assim sentiu dúvidas. Resolveu ligar para o Epaminondas para tirar aquela agonia de dentro dele.

– Alô!

– Epaminondas?

– Ele mesmo. Quem… ah!, é você Ambrósio? Pô cara, já é quase meia-noite, aconteceu alguma coisa?

– Não é nada sério, é a respeito do Seu Amarildo.

– Tá tudo bem, amigo, o Pirola já falou comigo, não tem problema nenhum você ir com a gente.

– Eu liguei não foi pra falar da festa. O Seu Amarildo tem duas filhas, não tem?

– Tem, mas por que a pergunta?

– Pelo que eu sei, uma mora em São Paulo e a outra nos Estados Unidos, certo?

– A de São Paulo ainda mora lá, mas a outra voltou pra cá.

– Voltou pra cá?

– Sim, tá morando lá na fazenda.

– Como é mesmo o nome dela?

– Rapaz, agora você me apertou. Peraí, deixa eu ver se me lembro… ah!, é Patrícia.

– Obrigado, Epaminondas, e desculpe a hora.

– Tem nada não, mas por que este interesse?

– Deixa pra lá, amigo, depois eu explico. Um abração e até amanhã.

– Tá certo, amanhã a gente combina o horário de saída. Inté!

Ambrósio voltou no tempo. Lá estava ele, menino, de mãos dadas com a menina Patrícia. Até que um dia seu falecido pai chegou e disse que nunca mais poderia levá-lo à fazenda. Pronto, o namoro das duas crianças fora descoberto. Desde então, nunca mais viu Patrícia. Agora ela estava de volta. Agora se explica porque aquela sensação esquisita quando a viu entrar na loja. Mas, de repente, ele ficou triste. Pelo que ocorreu na banca de revistas ela definitivamente não se lembrara dele. Ou se lembrara, mas não se manifestou por falta de interesse. Com estas e outras dúvidas na cabeça, Ambrósio rolou de um lado para outro na cama até que o relógio despertou. Eram seis horas da manhã de uma sexta-feira já de sol radiante. O batente estava prestes a começar. Chegando à loja, o patrão foi logo lhe apresentando trabalho contábil.

– Bom dia, Ambrósio, olhe bem este controle de estoque.

– Alguma coisa errada?

– Sei lá, tem umas coisas aqui que não estão batendo. Como hoje é dia de balanço mensal, gostaria que você desse atenção especial nestes itens aqui.

Ambrósio tinha esquecido de que aquela sexta-feira era a última do mês, dia do balanço contábil mensal. E, pombas, dia em que ele raramente saia da loja antes das dez da noite. E agora? Com esse esquecimento ele não contava. Já sabendo que o amigo Epaminondas iria para a fazenda bem mais cedo, uma certa preocupação sobre a possibilidade de perder a carona para ir à festa o dominou. Mas, puxa vida, por que esta festa tinha que acontecer logo no dia do balanço contábil mensal, perguntou a si mesmo. Mal acabou de pensar, o Epaminondas adentrou à loja.

– Ambrósio, resolveu?

– Complicou a coisa, amigo, eu esqueci que hoje é dia do balanço contábil mensal, e nestes dias eu costumo sair daqui depois das dez.

– É, complicou mesmo, pois eu vou no máximo às sete. A solução é você ir no seu carro.

– Sei não, Epaminondas, primeiro eu acho que é chato chegar assim sozinho e sem ser convidado. Depois, eu não me lembro mais como chegar lá. Só me lembro que é na estrada que vai pros Lanhosos e depois são tantas encruzilhadas até chegar na fazenda que não me lembro mais. Ora, vou errar o caminho e acabar chegando em Santana de Patos.

– Traz um papel que vou fazer um mapinha legal que não vai ter erro, você vai chegar lá tranquilamente.

– Mesmo se eu for, eu já disse, fica chato chegar sozinho sem ser convidado.

– Quando você chegar lá, manda me chamar. Aí eu te levo diretamente ao Seu Amarildo e digo a ele que fui eu que lhe avisei sobre a festa. Você aproveita a oportunidade e diga que é filho do Azambuja, certo? Pode ter certeza de que o velho e bom Amarildo vai ficar contente ao lhe rever.

– É, acho que tá bom.

– Então, está combinado?

– Belêz!

– Te espero lá, tchau.

O relógio marcava 21h43min quando Ambrósio dava os últimos retoques no cabelo para sair. Com a TV ligada, uma nota no noticiário passou-lhe despercebida: um grupo de quatro presos havia fugido de Patrocínio e, de acordo com as autoridades, os meliantes tinham se embrenhado com um carro roubado nas estradas vicinais em direção a Patos de Minas, mas que a polícia já estava fazendo o cerco necessário e por isso a população não precisava se assustar, porque eles seriam recapturados brevemente, mas, mesmo assim, pediam atenção a todos para não abrir as portas para estranhos, principalmente a população rural. Tudo pronto, Ambrósio pegou seu Chevetinho 82 e partiu rumo à fazenda. Antes, resolveu parar no boteco do Arlindo já na saída da Cidade para comprar umas pastilhas de hortelã.

– Boa noite, Seu Arlindo, me vê umas pastilhas de hortelã.

– Bão, Ambrósio. Nossa, aonde o moço vai assim tão arrumadinho a essa hora da noite?

– Vou à festa na fazenda do Seu Amarildo.

– É mesmo, rapaz, dizem que vai ser um festão. Ah, você poderia me fazer um favor?

– Se estiver ao meu alcance, é na hora.

– Esses três rapazes aqui são filhos de um pequeno agricultor amigo meu que foram contratados para trabalhar pro Seu Bezerra. Os coitados chegaram tarde e não sabem o que fazer. Como a fazenda do Seu Bezerra é no caminho, você poderia dar uma carona pra eles?

– Mas é claro que sim, Seu Arlindo. Então vamos logo porque já estou muito atrasado. Inté, Seu Arlindo.

– Até mais, Ambrósio, e muito obrigado.

Caindo no trecho, Ambrósio foi tentando seguir à risca o mapa desenhado pelo Epaminondas. Mas, numa das inúmeras encruzilhadas depois de Lanhosos, ele tomou o rumo errado. Rodados por volta de seis quilômetros, ele estranhou que a próxima encruzilhada, marcada no mapa com um intervalo de quatro quilômetros, não chegava. Será que Epaminondas enganara na quilometragem entre as encruzilhadas? A grande realidade é que ele estava no caminho errado, se afastando cada vez mais da fazenda do Seu Amarildo. O homem era mesmo um tremendo azarado.

Enquanto isso aquele grupo de quatro bandidos foragidos, para descartar o carro roubado, havia assaltado uma fazenda nas redondezas e roubado outro veículo, e pasmem, um Chevette 82 igualzinho ao do Ambrósio. E o batalhão de polícia cada vez aumentava mais. Até que Ambrósio se deparou com um cerco.

– Uai, o que será aquilo?

– Sô do céu, que mundaréu de polícia.

– Minha nossa, deve de ter lá uns quinze meganhas.

– Gente, será que houve algum crime ou assalto por aqui? Mas não é possível, sô. Aquelas porqueiras da cidade grande já estão chegando na nossa cidade. Como é que pode.

– Sei lá. Bem, vamos passar devagarinho para não incomodar os caras.

– Parece que eles estão fazendo sinal pra você parar.

– Deve ser para pedir alguma informação.

* Texto: Eitel Teixeira Dannemann.

* Foto: Es.vecteezy.com, meramente ilustrativa.

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