Não me olhe com esta cara de piedade. Você, com seus sentimentos humanos, não tem a mínima ideia do que são sentimentos de um imóvel. Repare o que está acontecendo à minha volta. Neste exato momento estou cercada por prédios. Você, na sua santa inocência, considera que eu vou continuar ilesa neste espremido espaço? Seria mais sensato você se perguntar: – Daqui a quantos dias este imóvel será demolido? Não perca tempo com lamúrias a meu respeito. Aliás, tenho certeza que você não está nem um pouco preocupado com minhas emoções. Eu já vi você passando por aqui várias vezes me olhando com cara de desprezo, como se eu fosse um estorvo ao progresso. É demais essa, eu, um estorvo ao progresso. Eu, que já fui progresso quando erguida, quando eu era apenas uma casa aconchegando almas que nem a sua. Agora não sirvo para mais nada, fechada, mofada, repleta de teias de aranha, sonhando todo dia com a chegada de homens e máquinas para me jogarem ao chão.
Quando surgi, esta rua, que hoje chamam de Xavantes, nem tinha nome e nem a faculdade aí em cima existia. Eu era linda entre poucas, daquele tipo de antigamente com a fachada no passeio. Numa piscar de olhos, lá estava a faculdade, e a partir daí tudo começou a mudar por aqui. Outras almas depois transformaram parte de mim num comércio. Não faz muito tempo os prédios começaram a chegar. Culpa da faculdade, óbvio. E os prédios foram chegando, chegando e eis agora eu aqui surfando na solidão. Não me preocupo com mais nada, nem com a chuva, nem com o sol, nem com o barulho do trânsito e muito menos com as pessoas. Eu não criei meu destino, mas tenho o discernimento necessário para saber que brevemente serei apenas um monte de entulhos. Entretanto, cônscia de que desde o primeiro tijolo assentado passei a pertencer à História de Patos de Minas. Irei em paz. E deixarei saudade!
* Texto e foto (06/12/2017): Eitel Teixeira Dannemann.