ESPINGARDA DO NICO, A

Postado por e arquivado em ARTES, FERNANDO KITZINGER DANNEMANN, LITERATURA.

Já lhes disse que Grota Funda, um dos cinco distritos de Periquitinho Verde, é servida por uma empresa de ônibus com horário único diário para ir de manhã e voltar à tarde da cidade, e que durante a hora e meia que se gasta no percurso muita história interessante pode ser ouvida por quem estiver disposto a prestar atenção nas conversas que acontecem dentro do coletivo.

Numa delas, por exemplo, o Nico da Ciaba, um dos moradores mais antigos do povoado, gabava-se a um amigo de que sua velha espingarda de caça, dessas de carregar pela boca, era “boa demaiiiiiiis…”. E garantia que a arma era ajuntadeira de chumbo, e que apesar de antiga alcançava tão longe, tão certeira, que um dia, da porta de sua casa, ele conseguira matar um veado que passava no morro situado a grande distância.

Incrédulo, a amigo perguntou quantos caroços tinham alcançado o alvo, e ele retrucou, incontinente:

– Dois!

– Dois? Só? E onde foi que eles pegaram?

Atrapalhado, o Nico explicou sem pensar:

– Um na cabeça e o outro no pé de trás.

– Impossível! – tornou o amigo. – Você disse que a espingarda é ajuntadeira, não disse? Daí que na distância em que o veado estava, ela não podia ter espalhado tanto assim os caroços de chumbo.

Entalado, o Nico não sabia o que responder, quando sua mulher, que ouvia tudo, tratou de ajudá-lo:

– Ô meu velho, então tu não te lembras que quando atiraste no bicho ele estava coçando a orelha com o pé?…

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