Sou uma privilegiada por ainda estar de pé. Só pode! Gente, sou do tempo da construção da Igreja do Rosário na Avenida Paracatu. Não me lembro mais se surgi antes ou pouco depois de sua construção. Ouvi muito as primeiras almas que me habitaram comentando sobre o casal Emygdio e Maria Cândida, que doou o terreno para a construção da igreja e que trabalhou demais da conta para a execução do projeto. Se não me engano, foi inaugurada em 1929¹. O tempo passou célere, e cá estou, atrás desse templo totalmente diferente do que era, tudo mudado, nada a ver com a simplicidade rústica de antigamente, e tem até três sinos comandados por circuitos eletrônicos. Quem diria, quando a igreja nasceu a Cidade só tinha 14 anos de implantação da eletricidade² e era muito precária, recordo-me como se fosse hoje.
Eu disse que sou uma privilegiada por ainda estar de pé. Há outra, à esquerda da frente da igreja, onde funciona um boteco que serve peixe frito. Essa eu sei que nasceu antes da igreja³. Mas, pelas barbas do profeta, que privilégio é esse? Por que eu e a minha colega fomos preservadas? Somos mais importantes que todas as outras que sucumbiram ao progresso? Eu me sinto é ultrajada, por tudo o que já fizeram comigo. Até comércio montaram em minhas entranhas. Estou disforme, vendo prédios e mais prédios se ergueram ao redor. A sensação é sufocante. Toda vez que os três sinos tocam, minhas idosas paredes tremem, sinto que o som vem a mim como advertência, como aviso do fim próximo e imediatamente me pergunto: por que ainda estou de pé? Quantas, inúmeras, 480 vezes mais importantes, já se foram. E eu, simples e modesta, ainda sou vista pelo povo. Sei lá quanto isso vai durar. A honra me força a ter dignidade para esperar. Vou esperando, e quando chegar o meu dia, partirei com a certeza que faço parte da História de Patos de Minas. E deixarei saudade!
* 1: Leia “Histórico da Igreja do Rosário”.
* 2: Leia “Eletricidade: Da Lamparina à CEMIG – Histórico da Força e Luz”.
* 3: Veja esse imóvel em “Avenida Paracatu na Década de 1920”.
* Texto e foto (01/05/2018): Eitel Teixeira Dannemann.