Há alguns anos acompanhei a demolição de uma colega. Veio-me à mente a diferença sensorial entre nós e os humanos. Enquanto eles não têm a mínima sensação de seu desenvolvimento uterino, nós nos emocionamos ao levantar das paredes. Enquanto eles recém-nascidos não se identificam com nada no mundo, nós ficamos radiantes quando ocupadas pela primeira vez. Ao contrário, os humanos quando pressentem a morte caem em desespero, chegando aos prantos por ansiarem a vida eterna. Nós temos apenas a âncora da resignação, pois não temos o direito de escolha. E a resignação nada mais é do que a convicção de um desespero consciente de saber que tudo acontece de conveniência com o tempo. O começo é apenas o começo. O fim é tudo!
Hoje estou serenamente esperando o meu destino me levar, aqui na Rua Rio Iguaçu, no Bairro Sobradinho, a um quarteirão da Avenida Paracatu. Foi nesse pedacinho de chão que vim ao mundo com a única missão que cabe a todas nós: abrigar almas, sejam lá que almas forem. Sou do tempo em que muita gente por aqui não queria rede de esgoto em suas casas¹. Tempos de poeira, barro e muito, mas muito pernilongo. Sou cônscia do serviço prestado às almas que me habitaram por longos anos. Enquanto alguns vizinhos se indignavam com a barulhenta Maritaca que morava aqui, eu apreciava ora o Sol, ora a Lua e as estrelas. Assim, na simplicidade, sem luxo, mas com dignidade, o tempo foi passando, e como foi célere. Com ele veio o progresso e a famigerada especulação imobiliária com sua fábrica de prédios. A minha solidão é mera desolação à espera do fim, a maturidade do começo que se renova em outra dimensão. Irei em paz comigo mesma, sabedora convicta de que desde o primeiro tijolo assentado passei a pertencer à História de Patos de Minas. E deixarei saudade!
* 1: Leia “Quando Alguns Moradores Não Quiseram Rede de Esgoto na Av. Paracatu”.
* Texto e foto (25/09/2017): Eitel Teixeira Dannemann.