Mesmo depois de fracassada a missão de Flores da Cunha a Belo Horizonte¹, os audaciosos conspiradores contra Olegário não desanimaram na tentativa de sua destituição. Ao contrário, buscavam adesões à urdidura temerária e impatriótica. Mas se iludiam. O preclaro Presidente não era um homem que se deixasse abater pelo descuido. Prevenia-se contra a ofensiva, fosse ela qual fosse. Conhecia a legenda dos romanos: “Si vis pacem, para bellum”. O Capitão João Guedes Durães conferenciava com o Presidente quase diariamente. Permaneciam juntos horas seguidas. Durães, Chefe da Guarda do Palácio, selecionava, cuidadosamente, na Polícia Militar, homens de absoluta confiança pessoal e profissional. Eram oficiais, sargentos, cabos e soldados experientes.
À noite, eram transportados para a casa da guarda equipamentos bélicos: metralhadoras, fuzis e farta munição. Tudo se passava em sigilo. A sede do Governo se transformava numa fortaleza, preparada para qualquer emergência. Durães fez um levantamento topográfico das avenidas e ruas de acesso à Praça da Liberdade. Escolheu pontos estratégicos, para o caso de necessidade de uma resistência armada. As sentinelas foram reforçadas.
A situação no Rio era intranqüila, com o movimento reformista dos Tenentes. Nos primeiros dias de agosto de 1931, Arthur Bernardes, ex-Presidente da República, convocou uma assembléia do Partido Republicano em Belo Horizonte. A concentração republicana se reunia no teatro Municipal. Debates calorosos procuravam o descontentamento do povo contra o Presidente dos mineiros. O momento era sombrio. A assembléia presidida por Bernardes se transformou em sessão permanente. O movimento provocador visava a renúncia do Presidente de Minas. Oradores incontidos usavam linguagem desatinada. Ousados, chegaram eles a preparar uma passeata de agravo diante do Palácio da Liberdade.
Edmundo Caldeira Brant, um dos mais exaltados, ultrapassou os limites do comedimento. Olegário proibiu qualquer represália contra os desavindos. O povo da capital, quase que por inteiro, emprestava integral solidariedade ao Presidente magnânimo e repelia a agitação desvairada. Aos poucos, tudo se esclarecia. Havia conexão entre os republicanos concentrados e os conspiradores do Rio. Mais tarde, os acontecimentos provavam que a urdidura jogava com a estratégia do fato consumado, já de que nada valera a missão Flores da Cunha.
Era 18 de agosto de 1931. Havia qualquer ameaça no ar, tal a exaltação dos ânimos. Josafá Florência, Chefe do Serviço do Rádio do Palácio e leal amigo do Presidente, e eu estávamos de plantão naquela madrugada. Durães mantinha-se atento no seu posto. Entre três e quatro horas da manhã, Durães era chamado pelo telefone. O Coronel Pacheco, Comandante do Regimento Federal sediado em Belo Horizonte, desejava falar-lhe. Durães atendeu ao chamado e o Coronel Pacheco lhe informou que, nomeado Interventor em Minas Gerais e com recomendação expressa de se empossar naquela madrugada, desejava saber como seria recebido. Durães, sem vacilar, lhe respondeu, prontamente: “A bala”. Desligou. “Alea jacta est”. A sorte estava lançada.
Imediatamente, o clarim explodiu o toque de alarme. A guarnição palaciana, sem perda de um só segundo, desdobrada em grupos, se colocou em postos anteriormente previstos. Metralhadoras foram assestadas em posição de fogo. As vias de acesso à Praça da Liberdade foram bloqueadas. O Presidente, já acordado no pavimento superior do Palácio, foi informado dos acontecimentos e aprovou as providências tomadas por Durães. Já vestido e ao dar o nó em sua gravata, disse para Durães, Josofá e para mim: – “Estou velho para sair vivo deste palácio”.
Olegário, personalidade marcante, transmitia a seus colaboradores leais a firmeza da sua coragem, civismo e brio. O Palácio mantinha linhas telefônicas com os batalhões da Polícia sediados na Capital. Toda a tropa foi informada dos acontecimentos e se pôs de prontidão. A estação de rádio do Governo do Estado no Rio também estava de plantão. Era instalada na Recebedoria de Minas, na rua Visconde de Inhaúma.
Josafá Florêncio expediu um radiograma do Presidente a Antônio Carlos, relatando o que se passava em Belo Horizonte. Antônio Carlos tomou as primeiras providências, movimentando os meios políticos. Alguns elementos da Polícia Civil foram destacados para observar os movimentos do quartel do Regimento Federal. A tropa não se deslocara. Havia tão somente um vai e vem de alguns conspiradores. E as horas passavam. A população da Capital, afeiçoada ao Presidente, era tomada de alvoroço. Às dez horas da manhã, chegava um lacônico comunicado do Rio: “Tinha sido um lamentável equívoco”.
Os conspiradores civis foram levados presos para a Secretaria do Interior. Oswaldo Aranha, Ministro da Justiça, foi demitido. O Coronel Pacheco e oficiais superiores do Regimento Federal foram transferidos. A paz tinha sido mantida, graças às providências do Presidente. Muitas vidas foram poupadas. Mais uma vez era provada a legenda romana: “se queres a paz prepara-te para a guerra”. O fato consumado, que é historicamente irreversível, não havia sido consumado.
O preclaro Presidente, naquela histórica manhã de 18 de agosto de 31, recebeu a mais consagradora manifestação de apreço da sua vida. O povo de Belo Horizonte ocupou, por inteiro, a praça da Liberdade para levar ao Chefe do Governo Mineiro a palavra da sua integral solidariedade.
Mais tarde, os acontecimentos foram conhecidos. O Coronel Pacheco havia recebido, diretamente do Ministro Oswaldo Aranha, informação de que ele fora nomeado Interventor em Minas Gerais, com ordens expressas de assumir a Chefia do Governo naquele madrugada. Face à resistência de Durães, e com a perspectiva de luta armada, vacilou. Telefonou para o comandante da Quarta Região Militar, sediada em Juiz de Fora. O comandante ignorava o assunto e sustou o movimento da tropa federal. Transmitiu a noticia ao Ministro da Guerra, General Leite de Castro. Este também ignorava o que se passava. Não poderia consentir que uma autoridade civil, o Ministro da Justiça, se dirigisse a qualquer comando militar, procedimento da sua exclusiva competência. E todas as obras e manobras emanadas do Ministro da Justiça foram sustadas.
Verificou-se, também, que o movimento conspirador se fizera à revelia de Getúlio Vargas. E a frase – lamentável equívoco – ficou inserida na interrogação permanente que envolve a turbulência política daquele passado tão distante.
E Durães, naquele episódio, encarnou um dos mais notáveis atributos humanos: a lealdade.
* 1: Poucos meses antes daquele 18 de agosto de 1931, Flôres da Cunha, Interventor no Estado do Rio Grande do Sul e General Honorário do Exército, visitou Olegário Dias Maciel no Palácio da Liberdade com o objetivo de convencê-lo à renúncia em prol de um movimento contra Getúlio Vargas. No fim da conversa, o Presidente Olegário se levantou, tirou o seu relógio e disse a Flôres da Cunha: “General, são cinco horas. Se o senhor não se apressar, perderá o noturno da Central, que parte para o Rio às seis e meia horas”. Foi este o insólito desfecho da audiência havida entre Flôres da Cunha e o Presidente Olegário Maciel. Este episódio, rigorosamente autêntico, alcançou desusada repercussão. Olegário simbolizava, por inteiro, o brio de Minas Gerais. Leia o texto completo em “A personalidade do Presidente Olegário Maciel”.
* Fonte: Texto de Olyntho Fonseca Filho publicado com o título “A personalidade do Presidente Olegário Maciel – 18 de agosto de 1931” na edição n.º 80 de 15 de novembro de 1983 da revista A Debulha, do arquivo do Laboratório de Ensino, Pesquisa e Extensão de História (LEPEH) do Unipam.
* Foto 1: Do Arquivo Público Mineiro.
* Foto 2: Palácio da Liberdade na década de 1920, de Bhnostalgia.blogspot.com.