O Presidente Olegário organizou o seu governo, atendendo às principais preferências dos setores políticos do Estado. Nomeou para as Secretarias, respectivamente, Cristiano Machado para a pasta do Interior; Noraldino Lima, para a Educação; Amaro Lanari, para Finanças e Ribeiro Junqueira para Agricultura e Obras Públicas.
Os demais escalões do governo foram ocupados por homens de alto conceito e experiência administrativa. A situação financeira do Estado era grave. Com o advento da Revolução¹, mesmo já passado o período turbulento da luta, Minas enfrentava problemas adversos. Não havia recursos para o funcionamento normal das atividades produtivas. A indústria, o comércio, a agricultura, o sistema financeiro sofriam os reflexos de uma situação embaraçosa. Havia escassez de dinheiro. Os depósitos bancários baixavam. Essas circunstâncias levaram o Estado a emitir papel moeda, procedimento privativo do Governo Federal. A emissão de papel moeda, naquela emergência, se fez sob a responsabilidade do Estado e por intermédio da Previdência dos Servidores do Estado e Apólices da Prefeitura de Belo Horizonte.
Essa anomalia financeira foi aceita por todos os segmentos da população graças à respeitabilidade conquistada pelo Presidente Olegário, que encarnava, à vista dos mineiros, as virtudes seculares do povo. O dinheiro emitido era aceito pelos bancos, o funcionalismo pago em dia, a vida econômica se tranquilizava. Mais tarde, o Governo Federal resgatou todo o dinheiro emitido pelo Governo de Minas.
Antônio Carlos transferiu sua residência para o Rio. Leal amigo do Presidente Olegário, experiente observador político, mandava, de quando em quando, notícias do Rio. A estabilidade do Governo Vargas não amadurecera. O Presidente Olegário, com a sua premonição acesa, previa que os acontecimentos do Rio viriam, por certo, refletir nos Estados. Sendo Minas o mais precioso suporte político de Vargas, a urdidura nascida no Rio visaria o enfraquecimento do prestigio nacional conquistado por Olegário. Mas o Presidente de Minas não se intimidava. Seus cuidados de defesa se puseram de pé. Arguto, experiente, bravo e realista, mobilizou-se para a tomada de posição, em defesa da autonomia do Estado e da autoridade do seu Governo.
O Tenente João Guedes Durães, oficial da Polícia Militar, tinha sido delegado em Patos. Fez-se amigo do Presidente, pela sua conduta, lealdade e bravura. Olegário o designou para o posto de chefe da Guarda do Palácio da Liberdade. Por sua vez, o Presidente já havia ganho integral confiança da Força Policial do Estado. Sóbrio nos seus pronunciamentos e sábio nos seus atos, a sua personalidade se afinava, cada vez mais, com os anseios dos mineiros. Acontecimentos posteriores viriam confirmar a admirável premonição de Olegário.
GOVERNO PROVISÓRIO
Empossado na Presidência da República em outubro de 1930, Getúlio Vargas enfrentou, no início da sua investidura, sérios problemas para a composição e estabilização do seu Governo. Em períodos de exceção surgem, quase sempre, elementos que perturbam o exercício governamental. São eles o aulicismo, o radicalismo, a ambição e a adesão de última hora.
O áulico, isto é, o adulador, força a intimidade palaciana. Mente sem cerimônia. Bajula, divulga boatos inclementemente e destorce a veracidade dos fatos.
O radical, mesmo que sincero, é intransigente nas suas opiniões, não compreende que política é ciência ou arte dinâmica e não ação estática. Supondo ser o dono da verdade, bate-se pela sua idéia e se torna em elemento perturbador.
O ambicioso busca, tão somente, proveitos e vantagens, usando, para alcançá-los, meios e modos até mesmo aéticos.
O adesista de última hora é o amigo vacilante, que desconhece a virtude da fidelidade.
Mas há, felizmente, em contrapartida, o amigo fiel e solidário, o sábio experiente, o bravo esclarecido, aqueles que colaboram sem ambição e ajudam na construção de uma obra meritória e em favor do bem comum.
Getúlio, estadista de escol, soube separar o joio do trigo e conseguiu enfrentar a sua tarefa de governo, em um momento crítico da vida nacional. Capacitou-se de que tinha à sua frente um desafio penoso. Conviveu harmonicamente com as Forças Armadas, suporte da Nação. Consolidou desde cedo a credibilidade governamental. Implantou a Justiça Eleitoral, estabelecendo o voto secreto e cumprindo a pregação da Aliança Liberal. Criou, em novembro de 1930, o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, nomeando Lindolfo Color Ministro de Estado.
Estabeleceu o equilíbrio entre o capital e o trabalho, criando os sindicatos dos trabalhadores. Construiu o amparo previdenciário às classes menos favorecidas. Mais tarde, para diminuir o período de exceção, marcou as eleições gerais para 33, a fim da convocação de uma constituinte em 34.
O panorama nacional, assim, se apresentava tranquilo e pacífico. Em 31, formou-se o Grupo dos Tenentes, com proposições de reformas do programa de governo, inspiradas nos acontecimentos nascentes na Itália e na Alemanha, com o nazi-fascismo. Modificava-se o panorama político. Em meio à situação, movimentavam-se os esquerdistas. Aproveitando-se da intranqüilidade nascida, políticos, sobretudo, de São Paulo, maquinavam contestações. Getúlio era informado dos acontecimentos e se preparava para a contra ofensiva.
O Presidente Olegário, por sua vez, estava a par do que se passava no Rio. Sendo Minas o Estado mais em evidência política no Brasil. Olegário, com sua astúcia e antevisão política, se convencia de que o movimento conspiratório não se deteria apenas na Capital da República, mas se estenderia pelos Estados, principalmente em Minas. Os conspiradores começavam a ser conhecidos: Flôres da Cunha, Virgílio de Melo Franco, João Neves da Fontoura, Arthur Bernardes, Oswaldo Arranha e alguns membros do PR de São Paulo.
Cristiano Machado, Secretário do Interior de Minas, se mostrava vacilante. Olegário o demitiu e nomeou para seu substituto o seu Oficial de Gabinete, Gustavo Capanema. O Presidente Olegário se preparava para a defesa das suas prerrogativas presidenciais.
FLÔRES DA CUNHA
Era 1931, Flôres da Cunha, Interventor no Estado do Rio Grande do Sul e General Honorário do Exército, solicitou, por telegrama, uma audiência ao Presidente Olegário. Marcados o dia e a hora, Flôres apareceu no Palácio da Liberdade e foi introduzido no salão Nobre. Ali encontrou, assentado, o Dr. Ribeiro Junqueira, Secretário da Agricultura. Minutos depois, o Presidente veio ao seu encontro.
Conversaram amistosamente sobre assuntos gerais. Flôres da Cunha disse ao Presidente que desejava falar-lhe em particular. O Presidente perguntou ao Interventor gaúcho se ele se referia à presença do Dr. Ribeiro Junqueira. A resposta foi afirmativa. Olegário esclareceu a Flôres da Cunha que era seu hábito convidar uma testemunha de confiança para presenciar conferências que envolvessem assuntos relevantes. Flôres não se opôs à presença do Dr. Ribeiro Junqueira. Passou a informar ao Presidente o motivo da sua vinda a Belo Horizonte. Disse que o Presidente Vargas vinha enfrentando sérias dificuldades para a estabilização do seu governo. Referiu-se ao denominado Grupo dos Tenentes, que pressionava Getúlio na adoção de reformas fundamentais no programa do governo. Enfatizou divergências dentro do próprio governo, situação que já sensibilizava as Forças Armadas. Avançando mais profundamente na sua incumbência, enalteceu os serviços que o Presidente Olegário já havia prestado à Nação, salientando a sua atuação na Revolução de 30.
Prosseguindo, disse que, dada a sua idade, já era chegado o momento do Presidente buscar o seu merecido descanso. Era um convite à renúncia. Olegário lhe respondeu que, eleito pelo povo mineiro, tinha o dever de cumprir o seu mandato até o fim. Flôres retrucou que, possivelmente, o Presidente não houvesse compreendido o sentido exato das suas palavras, e fraudando a sua afirmação, terminou por dizer que ali estava em nome das Forças Armadas da Nação.
O Presidente Olegário se levantou, tirou o seu relógio e disse a Flôres da Cunha: “General, são cinco horas. Se o senhor não se apressar, perderá o noturno da Central, que parte para o Rio às seis e meia horas”.
Foi este o insólito desfecho da audiência havida entre Flôres da Cunha e o Presidente Olegário Maciel. Este episódio, rigorosamente autêntico, alcançou desusada repercussão. Olegário simbolizava, por inteiro, o brio de Minas Gerais.
* Fonte: Texto de Olyntho Fonseca Filho publicado na edição n.º 76 de 15 de setembro de 1983 da revista A Debulha, do arquivo do Laboratório de História do Unipam.
* Foto: Arquivo Fundação Getúlio Vargas.
* 1: Leia o texto “Participação Patense na Revolução de 1930”.