Waldomiro Freitas Autran Dourado, mais conhecido como Autran Dourado, nasceu em Patos de Minas no dia 18 de janeiro de 1926, tendo como pais Telêmaco Autran Dourado e Alice de Freitas Dourado. O Cartório Civil da época registrou o nascimento às nove e cinquenta da manhã e, muito interessante e estranho, apenas com o nome Valdomiro, com “V” e não “W”, e mais nada, sem o sobrenome dos pais. A família morava numa casa localizada à Rua General Osório quase esquina com a Avenida Getúlio Vargas (naquele tempo não havia numeração nas construções, mas hoje ela ainda está de pé com o número 210)¹. E foi nesta casa que Dona Alice deu à luz ao filho Valdomiro.
Durante todo o ano de 1925, o pai Telêmaco atuou como Juiz de Direito na então Patos sem ainda o “de Minas”. Mesmo com apenas um ano de vivência na cidade, Telêmaco se tornou figura respeitada. No final de dezembro daquele ano, ele recebeu um documento de transferência para Monte Santo de Minas (terra da família de Dona Alice), no Sul do Estado. Foi no dia 18 de fevereiro de 1926, quando Valdomiro completou um mês de vida, que a família Autran Dourado se despediu de Patos para nunca mais voltar. Na ocasião, o Jornal de Patos, na sua edição de 21 de fevereiro, entre outros dizeres elogiosos a respeito de Telêmaco, escreveu: Aqui o digno môço deixa innumeros amigos sinceros e admiradores enthusiastas de suas invulgares qualidades de espirito e de coração². Sobre o nascimento de Valdomiro, o mesmo jornal publicou uma nota na coluna “Sociaes” de sua edição de 24 de janeiro: Na semana passada, foi enriquecido com o nascimento de uma robusta creança o lar do Exmo. Snr. Dr. Telemaco Autran Dourado, ex-Juiz de Direito desta Comarca. O recém-nascido receberá na pia batismal o nome de Waldomiro³. Ao Dr. Telemaco e à sua Exma. Snra. enviamos nossas felicitações.
Valdomiro viveu a infância em Monte Santo de Minas até os treze anos de idade: “Tive uma infância muito boa para o meu padrão de vida brasileiro, porque meu pai era a primeira autoridade judiciária em Monte Santo”. Valdomiro conta que nunca estudou em grupo escolar e que sempre teve professora particular, até ser transferido para um internato em São Sebastião do Paraíso, também do Sul do Estado. Quando tinha 17 anos de idade, o pai Telêmaco foi transferido para Belo Horizonte. Na capital mineira, enquanto trabalhava como taquígrafo e jornalista estudava Direito. E foi nessa época que lançou sua primeira obra (1947), Teia. Um ano após a sua formatura em 1949, veio a segunda obra, Sombra e Exílio, que ganhou o Prêmio Mário Sette do Jornal de Letras. Em 1954, Autran Dourado se mudou para o Rio de Janeiro, onde morou até a sua morte em 30 de setembro de 2012, deixando uma vasta e valiosa obra literária.
O historiador Oliveira Mello teve uma matéria publicada com o título “Autran Dourado e Patos de Minas” na edição de 03 de novembro de 2012 do jornal Folha Patense. O autor conta que teve a oportunidade de encontrar com o escritor em Belo Horizonte: “Há 40 anos, casualmente, encontrei-me com ele na Livraria do Amadeu, na Rua Tamoios, em Belo Horizonte. Fui apresentado ao Autran pelo Amadeu, como seu conterrâneo e ainda residente em sua cidade natal. No decorrer da nossa conversa inquiri-o: – Patos de Minas muito se orgulha em tê-lo como filho e seus habitantes desejam sua visita. A resposta veio pronta: – Fazer lá o quê? Não conheço ninguém, não tenho nenhum parente e saí assim que nasci, com apenas um mês de idade”.
Aos 54 anos de idade, sem nenhum vínculo emocional com Patos de Minas, Autran Dourado precisou entrar em contato com a cidade, muito tempo depois das fatídicas palavras acima. Quem conta é Oliveira Mello: “Anos após, tomo conhecimento de uma sua correspondência ao oficial do Registro Civil de Patos de Minas, em abril de 1980: Prezado colega, Sou escritor e Serventuário da Justiça do Rio de Janeiro, exercendo a função de Oficial do 3º Ofício de Registro de Distribuição. Tive a honra de nascer em Patos de Minas, quando meu pai, Telêmaco Dourado, aí serviu como Juiz de Direito. Não tenho em Patos nenhum parente ou conhecido, daí a razão porque me dirijo ao prezado colega pedindo-lhe os seus bons ofícios no sentido de ser averbado no meu registro de nascimento o que consta o mandado anexo, do Juiz da 10ª Circunscrição do Registro Civil ao Juiz de Direito dessa cidade e que diz respeito ao seu Cartório. Depois de averbado o que requeri, gostaria de ter a certidão respectiva constando o meu nome com W, que é como profissionalmente uso. Peço-lhe o favor de me mandar dizer em quanto montaram as custas, a fim de que possa reembolsá-lo. Muito grato, aqui fico à sua disposição.
Mesmo com loas tipo “tive a honra de nascer em Patos de Minas”, está claro e evidente que Autran Dourado só se lembrou da cidade onde nasceu por causa de uma necessidade pessoal para averbar o seu registro de nascimento e, o mais importante, que se corrigisse o seu nome. De acordo com a matéria de Oliveira Mello, apenas no registro civil que Waldomiro constou com a letra V, pois até no noticiário da época, na imprensa local, foi sempre com W e também não há, como dito anteriormente, o sobrenome de Freitas (materno) nem o de Autran Dourado (paterno). Ele o adotou sem constar no registro civil e, no mesmo pedido de averbação da troca do V por W, solicita também o acréscimo do seu sobrenome Freitas Autran Dourado. Isso é um tremendo mistério, pois como uma pessoa registrada apenas como “Valdomiro” consegue os documentos obrigatórios para a convivência em sociedade e até se formar em Advocacia?
Mistérios à parte, depois que Autran Dourado entrou em contato com Patos de Minas unicamente para resolver um problema pessoal, em 2006 ele completou 80 anos de idade. E mesmo com o pouco caso dele para com a cidade, resolveram homenageá-lo. O UNIPAM – Centro Universitário de Patos de Minas, através da Revista ALPHA, da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras, prestou-lhe significativa homenagem publicando 158 das 231 páginas, sob o título “Dossiê Autran Dourado 80 anos”. Na matéria de Oliveira Mello no jornal Folha de Patos, ele cita a opinião do responsável da revista na época, Luís André Nepomuceno: “Em 2006, Autran Dourado completou 80 anos. Como editor da Alpha, periódico mantido pelos cursos de História, Letras e Pedagogia, do Centro Universitário de Patos de Minas, decidi que podíamos homenagear o escritor com um número temático na revista sobre a sua obra narrativa. Sempre houve muita discussão sobre as relações pessoais de Autran Dourado com Patos de Minas, a julgar por muitas de suas declarações e pelo que sempre constou nas informações biográficas de seus livros. Mas ao mesmo tempo, pensei que isso seria o menos importante. Autran não faz referências a Patos de Minas como cidade natal, nem identifica a cidade como espaço de identidade e formação – o que nos parece evidente, já que foi criado no sul de Minas e ali formou todo o seu imaginário social e identitário. Mas isso definitivamente não era motivo para que não nos lembrássemos de seu nome”.
“Ao final, quando já estava pronta a edição e uma vez encaminhada ao homenageado, Autran agradeceu discretamente. No começo do ano, eu havia encaminhado a ele uma carta, comentando a proposta de edição, para a qual não obtive resposta. Quem respondeu foi sua filha Inês comentando a satisfação de receber o periódico, bem como propondo uma rápida apreciação da qualidade dos trabalhos. Dizia que Patos de Minas o acolhia com louvores e que isso justificava suas origens. Das palavras não me lembro. Não tive ainda o cuidado de guardar a mensagem, em parte por culpa de minha displicência, em parte por culpa dessas novas tecnologias, bem diferentes do que teria sido, por exemplo, um cartão manuscrito. Isso, portanto, perdeu-se”.
Mesmo menosprezando a cidade onde nasceu, Autran Dourado era lembrado para homenagens. Assim conta Luís André Nepomuceno: “Eu teria a oportunidade de me encontrar com Inês cinco anos depois, quando o Sindicato dos Produtores Rurais, em Patos de Minas, promoveu o I Balaio de Arte e Cultura, um evento de caráter cultural, com a intenção de agregar artistas e intelectuais em torno de mostra de artes, tendo Autran Dourado como o homenageado daquela primeira versão. O escritor foi convidado a vir à cidade, mas a saúde não o permitiu. Enviou a filha, que o representou e que trouxe uma surpresa: um vídeo gravado previamente, em que Autran agradecia a homenagem e a consideração da cidade. Visivelmente frágil, sua voz era arrastada, dificultosa, e revelava na imagem o estado de saúde que o impedira de visitar a cidade, naquele que talvez teria sido o primeiro convite efetivo que lhe faziam”.
“Com a filha Inês conversei brevissimamente. Não sei mais do que falamos, talvez da obra dele, talvez do estado de saúde, talvez das duas coisas, ou de nenhuma. Na oportunidade, eu havia apresentado uma palestra sobre Cláudio Manuel da Costa, o primeiro escritor mineiro de nossa história. Não conversei mais com Inês, e confesso que a lembrança já é fugidia, apesar do pouco tempo. De toda forma, Inês levou a lembrança, levou objetos da cidade, homenagens, e deixou outras lembranças. Ainda que tardiamente, os vínculos entre Autran Dourado e Patos de Minas se reestabeleceram por iniciativa de alguns. Podem ter sido frágeis as ataduras, já no alto daquela vida doentia dele, mas foram vínculos. E agradecemos aos que ajudaram a fazê-los”.
E assim, em 30 de setembro de 2012, faleceu o grande e respeitado escritor Autran Dourado. Merece ser louvado como um dos mestres da arte literária. Só não merece, em hipótese alguma, ser considerado como o “mais famoso escritor patense”. Isso é uma afronta aos “autênticos” literatos da terra. E ele confirma que “só nasceu em Patos de Minas e nada mais” com suas próprias palavras publicadas no livro “Literatura Comentada – Autran Dourado (1983)”, com seleção de textos de Ângela Maria de Freitas Senra: “A gente carrega a infância pelo resto da vida e ela vai, de uma certa maneira, nos orientando ou nos cegando. Nasci em Patos de Minas. Meu pai, juiz de Direito, foi transferido para Monte Santo de Minas quando eu tinha um mês de vida – não conheço a cidade onde nasci. Considero-me de Monte Santo, onde passei a minha infância até aos treze anos de idade”.
* 1: Leia “Casa Onde Nasceu Autran Dourado”.
* 2: Leia “Telemaco Autran Dourado”.
* 3: Mesmo registrado como “Valdomiro”, o jornal grafou “Waldomiro”.
* Texto: Eitel teixeira Dannemann.
* Foto 1: Praler.org.
* Foto 2: Odiario.com.