Quem me viu antes se espanta com meu aspecto de hoje. Fui pintada e, sem convencimento, estou irresistivelmente bonitinha. Eu até estranhei, porque imaginava acontecer comigo o que está acontecendo com as casas: derrubadas para serem ocupadas por edifícios. Ó um aqui ao meu lado, na esquina com a Rua Gabriel Pereira. Essa minha rua¹ […]
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DEIXAREI SAUDADE − 153
A sensação de abandono é horrível, não desejo isso para a minha pior inimiga entre os imóveis, que é essa sirigaita aqui ao lado que, simplesinha de tudo, nem chega a meus pés, fica zombando da minha situação. Não dá para entender é que não faz muito tempo, não tem nem dois anos, chegaram a […]
DEIXAREI SAUDADE − 154
Mas o que é isso, alguém me fotografando? Deixa eu sacudir a sujeira do meu telhado e ranger as minhas rachaduras para tentar acreditar nisso. Alguém me fotografando? Uai, será por quê? Que prazer tem esse sujeito de perder tempo comigo, tão maltrapilha e abandonada como estou? E por que ele está de máscara, é […]
DEIXAREI SAUDADE − 155
Eu era branquinha como a neve. Todas as minhas paredes externas eram brancas como o mais puro dos leites. De repente, sei lá o que aconteceu com essas almas que me habitam, resolveram me pintar de azul. Interessante, só a mim, e não se preocuparam com o meu muro. Enquanto aqui em volta de mim […]
DEIXAREI SAUDADE − 156
Fui uma casa como outra qualquer, nascida nos idos tempos da construção de um mercado municipal logo adiante e de um hospital aqui em frente¹. Belos e idos tempos em que um tal qualquer deixava sua bicicleta escorada no meio-fio por horas e ninguém mexia nela. Belos e idos tempos em que nem me lembro […]
DEIXAREI SAUDADE − 157
A maioria das pessoas que passam em frente a minha humilde estrutura mal percebe que eu existo. Os olhos dos humanos estão treinados para apreciarem o belo. Como as pessoas não encontram em mim o belo, de soslaio me encaram com desdém, como se eu significasse unicamente uma pobre residência que hoje não tem mais […]
DEIXAREI SAUDADE − 158
Lá nos idos da lamparina, sabe-se lá quem ou quais tiveram a magnífica ideia dessa baita distância da casa de um lado para a casa do outro lado. Assim, entre as fileiras de casas de cada lado formou-se um considerável espaço, que naquele tempo era na verdade um longo descampado entre as construções. Característica: poeira […]
DEIXAREI SAUDADE − 159
Eu olhava para a esquerda e via uma semelhante e um lote com mato. Olhava para a direita e via outra semelhante e outro lote com mato. Olhava para a frente e via mais uma semelhante e mais um lote com mato. Não perdi tempo em olhar para trás. Era assim esse nosso ambiente¹: poucas […]
DEIXAREI SAUDADE − 160
Passa boi, passa boiada. Assim era, e logo ali tinha um descampado onde muitas tropas descansavam o gado e se descansavam antes da entrega das vítimas para o abate¹. Daqui pra cima era a saída para o hoje município de Presidente Olegário, passando pelo curral de tábuas da Augusta Gomes Ferreira, terrenos do Otávio Magalhães, […]
DEIXAREI SAUDADE − 161
Não estou mais suportando a presença desse edifício aí atrás de mim. Não estou mais suportando a presença de edifícios à minha esquerda, à minha direita e à minha frente. Enfim, estou por aqui com edifícios em qualquer lugar. Por quê? Ora prezado, o pipocar de edifícios em qualquer lugar ocupado por casas significa justamente […]
DEIXAREI SAUDADE − 162
Salve-se quem puder! Eis um grito meu de desabafo, totalmente inútil. Ora, se não. Para os humanos é muito fácil sair correndo quando ouve aquele apelo. E quanto a nós, imóveis? Por isso afirmei que era inútil o meu grito de desespero, visto que não podemos nos desgarrar do local onde fomos construídas. Simplesinho assim. […]
DEIXAREI SAUDADE − 163
Eu poderia me vangloriar, mas não vou me vangloriar. Tenho muitos motivos para me vangloriar, mas não vou me vangloriar porque quem eu aconcheguei tinha tudo para se vangloriar e nunca se vangloriou. Aqui dentro de mim reinou a quietude de um ego que nunca se submeteu a fantasias excêntricas. Minhas paredes estão impregnadas de […]