Quem foi Adão Germano? Poucos leitores, possivelmente, saberão responder. Por que, então, escrever sobre uma pessoa incógnita? Essa pequena e despretensiosa crônica tem por objetivo fazer jus a uma pessoa muito humilde e que não teve seu nome gravado em qualquer placa nas paredes de faculdades e nem em livros que tenha escrito, assim como nada que o fizesse conhecido aqui em Patos. Adão deixou, todavia, um exemplo maravilhoso para seus pósteros, conforme se verá em seguida. Tomei conhecimento da pessoa de Adão Germano da Silva por ele ter recebido a maior nota no Exame de Seleção para a primeira série de ginásio no Colégio Estadual de Patos de Minas, hoje Escola Estadual Professor Zama Maciel.
A curiosidade inata dos professores para conhecer o “primeirão” de cada triagem era incontida. Quem é este garoto que obteve o primeiro lugar no exame e a melhor nota de todos os candidatos? Filho de quem? Residente em que local? Em que escola teria feito o curso primário? Tais perguntas só foram respondidas por ocasião da inscrição dos aprovados. Ajudava eu na matrícula dos calouros, pois muitos eram os alunos e pouco o prazo para a realização das exigências da papelada. Por coincidência, fui o encarregado de fazer a matrícula do Adão Germano, um menino franzino e moreno. Inicialmente cumprimentei-o pelos brilhantes resultados das provas. Tão logo começou o questionário descobri sua origem: morava na fazenda do senhor José Paulo de Amorim, na qual trabalhava seu pai, vaqueiro de seu bondoso protetor, o qual se encarregava de suas despesas em Patos. O seu primeiro contato com as letras foi através de uma benfazeja escola rural, em Pindaíbas, com professora de poucos recursos, porém com boas intenções e muitos esforços. Por alcançar a mais alta nota do Exame de Seleção fez parte o homenageado da turma dos melhores alunos, denominada “turma A”. Percebi, logo no início quem seria Adão Germano. Sempre tive o hábito de lecionar andando dentro da sala. À medida que eu comentava sobre determinado assunto notava os olhos escuros do garoto, fixos no professor e “bebendo” suas palavras. Quando da primeira avaliação ele foi o primeiro e único a obter a nota máxima. Na sala dos professores, durante o recreio, conversávamos sobre o novel aluno e os elogios eram uníssonos, inclusive e, principalmente, com o professor René, mestre da matemática.
Certa ocasião chegou ao nosso conhecimento que a mãe do discípulo havia falecido e que não existia dinheiro sequer para enterrá-la. Sabedores do infausto acontecimento, alguns de nós, seus professores, nos dirigimos para a casa onde seria o velório. Tocou-nos a cena: o corpo jazia sobre um velho colchão preenchido com palhas de milho, apoiado em uma cama de varas de bambu no único quarto de uma pequena casa de dois cômodos, chão batido, coberta de capim. Na primeira divisão ficava a cozinha e a sala e a outra, divididos por um pano dependurado, fazendo as vezes de porta, o quarto. A precária instalação sanitária ficava distante cerca de 20 metros, o mais simples possível. Diante deste quadro, de manifesta pobreza, houve cotização entre os professores, arcando os mesmos com as despesas de tão simples funeral.
Os anos se passaram e, sempre em primeiro lugar, lá estava Adão Germano. Seu corpo já estava desenvolvido, muito possivelmente com a ajuda da merenda escolar, farta e nutritiva, gerida com todo esmero pela dona Laura. Adão cumpriu a sua obrigação militar cursando o “Tiro de Guerra”. Finalmente, surgiu a oportunidade e ele não a desperdiçou: foi aprovado no concurso promovido pelo Banco do Brasil e, uma vez empossado, tal emprego permitiu-lhe melhores condições de vida, já em companhia de sua irmã. Após a conclusão do terceiro científico, designação antigamente usada, Adão resolveu fazer um novo concurso, agora para o Banco Central, que poderia proporcionar-lhe uma vida de mais abundância. É claro que ele foi aprovado e com excelente classificação. Assumiu o cargo em Brasília e nova vida surgiu, motivo que o animou a dar um passo maior, que era o casamento, pois já estava namorando. Sua rotina de vida dói normal, a família cresceu com a chegada de um casal de crianças. As longas distâncias de pontos estratégicos na capital brasileira fizeram com que Adão se animasse a comprar um automóvel.
Um determinado dia de férias resolveu a família, pela primeira vez, viajar até a terra natal do chefe, para lembrar sua infância e, principalmente, visitar o avô que as crianças, bem como sua mãe não conheciam. Dia fatal! Fora de Brasília, quase alcançando a rodovia que a todos permitiria alcançar o objetivo da viagem, houve um choque de carros, entre eles o de Adão, resultando um desastroso fim. Toda a família, ao que fui informado na ocasião, foi exterminada no acidente. Seria Deus a chamar para Si esta pessoa especial?
Passados tantos anos me lembro, com detalhes, daquela figura que tanto admirei. Sinto pena, pois não me esqueço da luta renhida que ele teve para obter um lugar ao sol. Mas, a mim não cabe discutir os desígnios de Deus. Que todos descansem em paz!
* Fonte: Texto de Newton Ferreira da Silva Maciel.
* Foto: Arquivo de José Maria de Resende.