HERCÍLIO TRAJANO DA SILVA

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HERCÍLIOHercílio Trajano da Silva nasceu em 15 de setembro de 1899, dia em que seus pais, Bertolino da Silva Trajano e Luzia Borburina Trajano, residentes na Vila Jaguarari, Bahia, viram surgir aquele que, tal e qual indica o nome indígena de sua terra natal (Jaguá = onça; rari = pequena), levaria pela vida afora a coragem altaneira e indomável dos senhores de si mesmo.

Hercílio tinha quatro irmãos e o destino quis que ele se casasse em Patos de Minas com Maria da Rocha Tibúrcio. Dessa união nasceram nove filhos: Wilson, Cleusa, Célia, Maria Helena, Orlando, Armando, Wanilda, Marina e Hercilinho. Sua vida sempre foi um exemplo marcante de dignidade e por isso merecedora do mais profundo respeito e admiração. Ele próprio nos conta, em pequenas doses cheias de deliciosas recordações, um pouco de seus 103 anos de vida.

“Senti muitas dificuldades para me adaptar ao meio, mas acabei ficando rico naquele lugar. Apesar de ser muito mão aberta, acabei comprando a loja, a máquina de arroz, depois fui farmacêutico, até que vim para Patos. O povo era simples e andava descalço. Lá eu fiz muitas amizades e me tornei conhecido. Na farmácia eu manipulava os remédios orientado por um formulário adquirido no Rio de Janeiro. Foram 36 anos de comércio”.

“A política era perigosa!… Fui eleito vereador em 1928, pelo partido Republicano, mais tarde PSD. A primeira legislatura foi em Patos de Minas, município ao qual São Pedro pertencia, e depois em Presidente Olegário. Fui presidente do Diretório Acadêmico Municipalista por vários períodos, participando de muitas convenções junto ao PR e PSD. Lavrei a primeira ata quando Presidente Olegário se emancipou”.

“Eu fazia outra idéia de Patos, pois o povo de Pirapora falava muito mal daqui. Ela era a melhor cidade da região. Comprei uma casa de dona Inhá por cinco contos de réis (hoje Colégio das Irmãs) e vendi por oito contos. As casas eram simples e poucas. No final da avenida havia muita gabiroba. Na praça, o coreto, onde a gente fazia as farras. O cemitério era onde hoje está o Fórum. Os ossos foram levados para o outro cemitério em carroças. Achar uma cidade boa como Patos é impossível. Fui tão bem recebido nesta cidade hospitaleira que por aqui fiquei”.

“A caravana dos Casca Grossa foi organizada por políticos e fazendeiros da região e tinha como finalidade pedir ao presidente Getúlio Vargas a estrada de ferro para Patos de Minas. Na caravana estavam pessoas de Patos, Lagoa Formosa, Guimarânia, Chumbo e outros. Eram fazendeiros abastados, por isso o nome. Fomos visitar o Palácio do Catete num carro especial. Foram 15 dias de viagem. Na comitiva levamos o Varejão, que tocou sanfona para Getúlio Vargas. Foi um sucesso o samba do sertão. Mas a viagem não teve sucesso, pois a estrada não veio até hoje”.

“Eu gostava de matar pintos, ao invés de passarinhos, fazendo bolinhas de barro na casa de meu pai, que tinha o quintal bem grande. Estudei só até o 3.º ano primário em Salvador. O tempo foi passando, eu crescendo, fui ficando esperto, gostava de ganhar dinheiro! Aos 8 anos eu já queria ser independente. Às sextas-feiras, como é costume no interior baiano, havia feira. Eu comprava ovos, frutas e cana para revender. Vendia tudo e o dinheiro era guardado no meu cofrinho de barro. A feira era movimentada porque os roceiros vinham da caatinga para suprir a despensa. Fui arrimo de família e por isso lutei muito. Éramos uma família pobre e por causa disso aprendi muito jovem, para ajudar no sustento da casa. Em Campo Formoso, onde também morei, fui sacristão. Anos depois fui para Juazeiro, na Bahia, morar com meus tios. Lá eu podia estudar, trabalhar, ganhar meu dinheirinho. Tio João Cardoso trabalhava na Viação Fluvial São Francisco. Minha convivência à beira daquele velho rio me traz muitas lembranças”.

“Um dia o senhor Marcolino Ferreira de Barros, que era baiano e muito conhecido na região, foi ao porto à procura de pessoas que pudesse levar para Minas Gerais. Ao colher informações sobre um rapaz de nome Hercílio e sua família, disseram-lhe que iria se arrepender caso o levasse, pois era o pior elemento, furtava, bebia, só fazia o que não prestava. Essa era a tática usada pelo administrador do porto, que não queria perder o ajudante. Mas 20 pessoas acabaram vindo, inclusive eu”.

“A família Bonfim, a mãe do Dr. Marcolino e outras pessoas faziam parte da caravana. Como toda minha família viria no vapor e crianças não pagavam passagem, pedi ao Dr. Marcolino que me desse as de meus irmãos, para vende-las. Quando cheguei à prancha para subir no vapor, avistei uma moeda no chão. Apanhei-a feliz da vida e disse: vou levar essa fortuna para Minas Gerais! Guardei a moeda no bolso da camisa”.

“No vapor o conforto era grande, tínhamos até luz elétrica. Aportamos em Pirapora, de onde íamos seguir para o Alegre (hoje, João Pinheiro), uma longa caminhada. Descendo com as bagagens, avistei outra moeda enterrada no barro. Aquilo me pareceu estranho, mas apanhei-a e guardei-a junto com a primeira. Fomos muito bem recebidos em Alegre, onde permanecemos 4 dias para descansar. Depois fomos para Porto Diamante, no Rio da Prata, distante só quatro léguas de nosso destino. Cruzamos o rio e chegamos na Fazenda Gameleira, que pertencia ao Coronel Farnese Dias Maciel. Meu pai era tido como irmão de criação do Dr. Marcolino, pela amizade e boa convivência que tinham”.

“Ao levar os cavalos para a cocheira, quando abri a porteira deparei com outra moeda jogada na lama. Estava chovendo, e o tostão brilhava no meio do barro. Aí pensei: Vou ficar rico nestas Minas Gerais. Quando chegamos na Fazenda Buenos Aires o sr. Otávio Dias Maciel lá estava à nossa espera, acompanhado de sua esposa, uma sobrinha do Dr. Marcolino. Ela possuía um negócio (loja sortida) em São Pedro da Ponte firme, mas ele estava fechado por falta de administrador. Fui convidado para o cargo, mas o Dr. Marcolino falou: ‘Esse rapaz vai trabalhar comigo na Prefeitura de Patos e por isso não posso deixa-lo ir morar no meio de papudos’. Aí eu respondi: Doutor, um jovem como eu quantos papos pode aguentar? ‘Uns três’. Acabei indo e fiquei. Lá encontrei a última moeda (fora 4), que continuam guardadas comigo até hoje. Cheguei com 20 anos e fiquei quase que a vida toda. O sr. Otávio, notando minha inteligência, entregou-me tudo, até as chaves”.

Hercílio Trajano veio, gostou e ficou. Este texto registra um pouco da história de um grande homem, íntegro e dono de uma memória invejável. Falecido em 14 de dezembro de 2002, Hercílio Trajano é um patrimônio de Patos de Minas e faz parte de nosso passado político.

* Fonte e foto (Hercílio com suas 4 moedas na mão): Edição n.º 26 de 12 de abril de 1997 do jornal O Tablóide, do arquivo de Fernando Kitzinger Dannemann.

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