TEXTO: JORNAL O TRABALHO (1909)
Não resta duvida nenhuma que a mulher, como ente physico, é mais debil que o homem, porem mais forte como ente moral. Compulsemos as principaes paginas da historia da humanidade, e acharemos que a ascendente moral da mulher começou a se manifestar na sahida dos nossos proto-parentes dos dourados prados do paraizo terreal. Bastaria folhear a historia de todos os povos para convencermo-nos de que em todo o tempo, em toda a parte, a mulher soube attrahir os homens á sua vontade e até aos seus caprichos, de sorte que o sexo forte tem sido modelado pelo debil de tal maneira que pode-se dizer que as mulheres na impossibilidade de agir com as energias do homem, tornam estes passivos de suas vontades.
No fundo de toda catastrofe, vê-se a mão da mulher. Remontemo-nos aos principios do mundo. Criando o Eterno este mundo de maravilhas em que vivemos, fazendo surgir de nada o Cosmo que se torna o reflexo da sabedoria de Deus omnisciente, e lançando Elle seu olhar omnipotente para esta esphera em que vivemos e onde eflorava a vida, Deus, motivou pela lei do aperfeiçoamento progressivo, evolutivo, que imprimiu a tudo, o apparecimento das especies inferiores, cobriu de habitantes os ceus, a terra e os mares.
O azul do infinito era illuminado por grandes, gigantescos lampadarios suspensos no firmamento, a aboboda celeste era a cupula magestosa do edificio, do templo. Faltava porem o sacerdote; Deus creou o homem e deu-lhe como dominio a terra. Dominava, mas… não era bom que estivesse só, e Deus à sua imagem e semelhança creou também a mulher e deulh’a por companheira, collocando-os no Paraizo terrestre. Quem originou a sahida d’aquelle Eden? Eva. Uma mulher. Inttium et finis mulier. A segunda catástrophe começa com a sahida do Paraizo, e vai terminar com o diluvio. E que é o que ahi tambem se vê? A mão da mulher, as filhas dos homens seduzindo os filhos de Deus, os justos. Todavia os homens lembravam as correntes do diluvio, e que acontecia por toda a parte? Quem turbava a paz, a piedade, a fé do lar de Abrahão? Uma mulher. Agar. Quem põe em perigo e trata de perder José? A mulher de Putiphar. Quem degrada vergonhosamente Sansão? Dalila. Quem é causa de que David deixe de ser David? Bethsabée. Quem deshonra Salomão? As mulheres estrangeiras. Quem torna impio, perjuro e assassino a Achab? Jezabel. Quem constrange Herodes a matar o Baptista? Herodias. É que por causa da belleza muitos pereceram, diz a Biblia. O olhar duma mulher formosa, mas sem virtude, queima como fogo. E queimavam como fogo os olhares de mulheres que circundavam Abraham e José, Sansão e David, Salomão e Achab.
Mas tambem a mulher appareceu como o adjutorio bello, puro e encantador do homem. A mulher syntethisa o typo ideal de Belleza, gracil e donairoso, e Esther, Judith, Sara e Suzana e as mulheres da bíblia definiram-se as estrellas deste céo terrestre. A historia apresenta-nos tambem mulheres que nos empolgam, que nos arrebatam de admiração. Roma apresenta-nos uma Veturia, personificação viril d’um caracter forte, intrepido e generoso, levantando o cerco de Roma, e livrando-a talvez da destruição; apresenta-nos uma Cornelia mãe dos Grachos, exemplificação da mãe educadora e nobre.
A historia apresenta-nos uma Ignez; sabias como Santa Catharina; d’uma envergadura anormal como Marcella, Paula e Eustachia, uma (Menica) que no dizer de St. Agostinho chegou a igualar-se Cicero nas suas affirmações philosophicas, uma Elpicia esposa de Boccio que fez hymnos que mereceram ser incorporados nos devocionarios romanos.
Apresenta-nos mulheres energicas como Pulcheria, governando o Oriente aos desesete annos; Uma Irene sustentando com a sua influencia politica o (thrno) de Constantinopla, uma Branca de Castella, a grande mãe de S. Luiz impulsando as Cruzadas; Joanna d’Arc a grande libertadora da França; Izabel, a Catholica, secundando a feliz aventura de Christovam Colombo.
Porem, para apreciar a filha, a esposa, a mãe, é preciso remontarmo-nos mais alto, até a essa mulher incomparável, virgem e mãe ao mesmo tempo, que se chamou Maria; deu o Bem ao mundo, o bem eterno e infinito. Nella e por ella todas as mulheres tem cumprido a missão de elevar, purificar o homem e consolar o homem, levando-o ao Céo. Ha seculos que a mulher vem respeitosamente venerada por esse terno e religioso amor, por esses honores e primazias, por essas considerações cheias de delicadezas que constituem o encanto da sociedade christã; d’ahi provem para a mulher essa brilhante pureza, essa aureola de modestia, essa grave bellesa, essa amavel liberdade, essa virtude generosa, esse dom de captivar o coração do homem para levantal-o ao Céo e com elle subir até Deus.
* Fonte: Texto publicado na edição de 15 de janeiro de 1909 do jornal O Trabalho, assinado por “Flor Vermelha”, do arquivo do Laboratório de Ensino, Pesquisa e Extensão de História (LEPEH) do Unipam.
* Foto: Nacaofest.com.