MULHER DE TRÊS METROS, A

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Patos de Minas tem poucas lendas registradas. A mais conhecida delas é A Mulher de Sete Metros, referenciada como a mais comentada do Município. Entretanto, durante o mês de agosto de 1945, o jornal Folha de Patos publicou três textos em sequência que contam a história de uma mulher misteriosa e apavorante que vagava pela Avenida Getúlio Vargas nas noites frias do inverno daquele ano. As características da narrativa do jornal são muito próximas do relatado pelos historiadores da Mulher de Sete Metros, com a diferença do tamanho, que é de “três metros”, ou ainda menor. Seria a mesma mulher? Tudo leva a crer que se trata da mesma mulher. Quem sabe, devido à tradição oral ao passar dos tempos, o povo foi aumentando o tamanho da mulher até se firmar nos “sete metros”. Na verdade, não existe registro da imprensa sobre uma mulher de sete metros. Quanto à de três metros, estão aqui os registros, evidenciando que a Mulher de Sete Metros se originou da Mulher de Três Metros.

NAS NOITES VAGAROSAS DE INVERNO… (Folha de Patos – 05/08/1945)

Era por uma destas noites vagarosas de inverno em que o brilho do céu sem lua é vivo e tremulo; em que o gemer das selvas é profundo e longo…”. Com estas palavras cantantes, de uma musicalidade enternecedora, Alexandre Herculano abre um dos mais impressionantes capitulos do “Eurico”. E com as mesmas frases abrimos esta noticia com a qual queremos relatar aos nossos leitores a historia da visão sinistra que por estas frias noites de inverno aparece, surge, some-se, reaparece, volatiliza-se, largando atraz de si uma esteira afunilada de frio, como que querendo deixar no expectador apavorado o testemúnho de sua origem sobrenatural. É a “mulher dos três metros”, da cor da lua, diafana e enregelada. Alma perdida, saida, talvez de outro mundo, do mundo onde os espiritos peregrinam e cujo aspecto só o verso triunfal de Dante poude descrever nas harmoniosas páginas da “Divina Comedia”. Mas, quando e de onde emerge o fantasma que apavora os notivagos, e mesmo as mocinhas que procuram trocar juras de amor nos escusos da Escola Normal?

Há muita gente nova em Patos e a juventude aqui nascida com estes advenas sempre benvindos ignoram que onde, hoje, se levanta o magestoso edifício do forum foi um cemitério. Desconhecem tambem que onde se ergue a estatua do Presidente Olegario Maciel plantava-se uma capela, pequenina e branca, e na qual os fundadores da cidade enterravam os seus mortos.

Estes fatos que só os antigos conhecem, respondem a nossa pergunta, isto é, de onde surge o vulto com forma de mulher que, ultimamente, aterra as pessoas descuidadas que perambulam pelas ruas escuras nestas longas e vagarosas noites de inverno.

Alma de outras epocas, quer rever a terra natal. Quer matar saudades dos sitios onde foi feliz, onde brincou ao sol, onde amou e pecou. Percorre as mesmas trilhas, e indiferente ao mundo de hoje, não vê o passante que lhe é desconhecido.

Alguem pode duvidar do que afirmam tantas e tantas testemunhas, porque muita gente não acredita “em almas do outro mundo”. Para estas pessoas queremos recordar a lição de um preto velho que aqui foi escravo e morreu e a qual recolhemos da boca de antigos filhos de Patos. Dizia êle, compassadamente, que nestas cousas do outro mundo era necessario precaução, porque se muita gente de verdade afirmava que não apareciam as almas dos mortos, muita gente de verdade tambem afirmava o contrário. E é a precaução tão necessaria na vida…

Geralmente só velhos que já adquiriram o “saber da experiência feito” a possuem. A mocidade descuidosa a ignora. Mas sigamos a lição do velho preto. Ela surgiu do “saber da experiência feito”. A “mulher dos tres metros” continua a ser vista nas caladas da noite. Viram-na várias pessoas. Sahindo do forum, o grande edificio construido sobre ossadas dos que dormiam em campo santo, atravessa o jardim sobrio, enfeitado de ciprestes e magnolias, e some-se atrás da estatua do velho e inesquecível Presidente. E quem já olhou o prédio do forum numa noite palida de lua, com a sua pintura azulada, sente uma impressão de quietude, paz suspeita e vaga…

Breve a historia da “mulher dos 3 metros” passarà para o domínio da lenda. Mas são estas lendas que tornam a vida agradavel, amenizam as intemperies dalma, e nos dà assunto para que possamos passar mas um inverno poeirento e longo, na espera de ilusorias bemesses pue ha-de nos trazer a proxima primavera…

AINDA A MULHER DOS TRÊS METROS – SENSACIONAIS REVELAÇÕES DO PROF. ARISTOTELES (Folha de Patos – 12/08/1945)

Em virtude da noticia inserida em nosso ultimo numero sobre a mulher que nas caladas da noite vem sendo vista nas imediações do forum e escola normal, vista como visão de outro mundo, porque seguida desaparece misteriosamente, soubemos que o Prof. Aristoteles, conhecido astrologo e proprietario, tinha sensacionais revelações sobre o palpitante assunto, nós o procuramos com o objetivo de obter dele informes para os nossos leitores.

Relutando em prestar declarações, ascedeu afinal e informou-nos o seguinte: “De fato, depois de ter perdido noites e noites em pesquizas, pude a uma hora da madrugada de sexta-feira passada, avistar-me com a já famosa mulher, fato que se deu em frente a casa do meu amigo Dr. Ernani Morais Lemos, mais ou menos no local onde foi a igrejinha referida na noticia do seu jornal. A visão é a de uma mulher magra, com um manto branco, ocultando um corpo de forma cadaverica, meio transparente, alta, sem contudo ter os tres metros populados. Em minha companhia encontrava-se dois amigos cujos nomes poderei declinar desde que tenha para isso autorização dos mesmos. E, parte comica, estes companheiros que são valentes com coisas cà da terra voaram ante a visão sinistra e deixaram-me só em coloquio com a alma perdida.

E o Prof. Aristoteles fez-nos interessantissimas revelações sobre o assunto, afirmando que continuará em pesquisas para desvendar o misterio. De tudo daremos detalhada noticias no proximo numero.

E A SOMBRA ASSIM FALOU… A SENSACIONAL ENTREVISTA DO PROF. ARISTOTELES (Folha de Patos – 26/08/1945)

Quando eu dela me aproximava para decifrar-lhe o enigma, apalpar-lhe o corpo esguio e contornar-lhe as formas com as mãos trêmulas, em vez do tépido calor característico da vida, vergastou-me a pele uma lufada fria e inquietadora. Estava deante de uma sombra impalpável, diafana e subtil como a luz da lua crescente que naquela hora morta da noite se escondia atrás da serra que encurta o horizonte.

Quem sois, perguntei-lhe eu? E a sombra balançou-se como folha de palmeira agitada pela briza morna da tarde. E de ao lado, hesitante, uma voz como que vinha de longe, assim falou: “Eu sou aquela que, aqui nestas plagas, fui a mais bela. Tive uma pele de lirio e uma boca de rosa em botão. Meus olhos eram faiscas de amor e meu cabelo tranças de oiro. Meu corpo tinha a plástica divina e meus seios constituíam um insulto perene à castidade. E a minha vida foi um trágico romance. Aqui, pavonei a minha beleza. Percorri terras distantes, mares bravios – sempre e sempre em busca de amor. O meu orgulho não tinha fim. Homens, vi-os arrojados a meus pés. Loucos de amor, baixaram á sepultura. Maltratei escravos, fi-los sofrer para dar pasto a minha vaidade. Trajes, trocava-os a cada contradansa, nas festas que promovia. Uma imagem da Virgem, mandei-a vir de pais longinquo e entronizei-a no altar. Queria redimir os meus pecados, mas a Virgem prescutava minha alma e não m’os quis perdoar. Mas tudo finda sobre a terra, e a era de aventuras tinha que passar com a mocidade. Em turvando a beleza, foram tambem fugindo, mais depressa que contava, os dias venturosos. Cruzes e cruzes ergui em meus passos. Já velha, pobre e doente, o orgulho ainda me devorava as entranhas. Excomungaram-me e cumpri a sentença. Morri cheia de vermes, com a alma sangrando. Nunca fui sincera em minhas preces e por isso ainda vagueio, de quando em quando, por estas paragens, onde fui feliz pelo muito que amei e pelo muito que vivi.

De quando em vez, ainda tenho odio dos que são venturosos, e tenho vontade de estrangula-los, traze-los para minha companhia para vagarmos juntos nestas noites frias de inverno. É esta a minha cina. Orai, na terra, para que a mesma se quebre e eu tenha a paz dos mortos”.

E como a sombra que se esmaece ao beijo da luz, a visão se foi, sumindo-se nas trevas. A cidade dormia em paz, esperando a madrugada. Percorri as imediações; perscrutei todos os logares, e a sombra esguia da mulher, que muitos julgam medir tres metros, desaparecera completamente. Quando me recolhi, já a aurora esplendia com os seus mais fulgidos albores.

Estas foram as declarações do conhecido astrólogo – Prof. Aristoteles sobre a palpitante questão da “mulher dos tres metros”.

A “Folha de Patos” transmitindo-as a seus leitores, agradece a gentileza de seu dileto amigo.

* Edição do texto: Eitel Teixeira Dannemann.

* Fonte: Jornal Folha de Patos, do arquivo do Laboratório de Ensino, Pesquisa e Extensão de História (LEPEH) do Unipam.

* Foto: Montagem de Eitel Teixeira Dannemann sobre foto de rfitaperuna.com.br.

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