PROGRESSO EM PATOS E A MULHER SERTANEJA

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TEXTO: EUPHRASIO JOSÉ RODRIGUES (1915)

Em uma digressão literária que fiz através da obra primorosa de Anatole France, recorda-me de ter lido a história de um monge, que tendo as invenções dos sábios como artes diabólicas, perplexo ante as diversas teorias, que surgiam para explicar as origens do homem e o evoluir dos mundos sentindo abalada sua fé, perguntava diariamente a si mesmo, onde estava a verdade; então o bom Deus compadeceu-se dele e o fez adormecer. Adormecido, começou a ver em sonhos, uma roda, de múltiplas e variadas cores, onde estavam papas sábios, imperadores, reis, mestres, estudantes etc. e cada um sustentava uma bandeirola que dizia, aqui está a verdade; neste momento do sonho em que a dúvida recrudescia no ânimo do pobre monge, eis que a roda começa a se mover com grande velocidade, até que na multiplicação dos giros deixaram de ser distintas as divisas, as cores se fundiram umas nas outras, até que com a força do giro ele a via imóvel e completamente branca. Então o macerado e duvidoso monge ouviu uma voz sobrenatural e misteriosa que dizia: “Contempla a verdade branca e pura que desejavas conhecer e aprende que de pequeninas verdades contrárias ela se compõe, do mesmo modo que a cor branca, resulta de todas as outras reunidas”. Para que me veio a recordação deste apólogo? É que contemplando a filha do sertão, eu posso acercar-me dela e dizer sem rebuço: “Tu és a verdade”.

A diversidade de fortuna, de educação, de posição social parece que afastam as filhas do sertão umas das outras, no fundo porém vê-se que todas elas se parecem entre si pela pureza dos pensamentos e pela santidade das aspirações. Aqui ainda não se conhecem as olheiras fingidas à plombagina¹ nem a massagem das formas, nem o donaire² languoroso³  das hetairas4.

Aqui as mulheres não amam os bardos de esquina, nem os poetas de encruzilhada, que lhes fazem versos; mas sim amam seus maridos que as tornam mães de família; os peitos da mulher aqui ainda servem para levar ao recém-nascido o primeiro leite da vida, em lugar das tetas das mercenárias corroídas pela sífilis, que lá nos países civilizados constitui o chiste e o ideal da elegância. Aqui, a mulher é todo coração, é toda amor, vive no lar, e para ela, é o seu pequeno mundo, eu vejo nas faces delas as rosadas cores da vida; não são como aquelas pálidas anemias, de um amarelo sujo, de retina açafroada5, ictéricas do corpo, senão da alma, que vemos nas capitais, arrastando o pesado fardo de uma existência sem ilusões.

É verdade que a mulher sertaneja, é isso que acabo de retraçar em imperfeito esboço, falta-lhe, porém, uma coisa sem a qual esta sociedade não pode progredir. Quereis saber, caros leitores, qual a causa de tantos crimes que se cometem em Patos? Quereis saber qual a causa do indiferentismo de que falei no número passado? Está na educação imperfeita que se dá à mulher.

Disse Alexandre Herculano, que a educação de um povo depende da educação das mulheres desse povo.

Disse o ex-presidente Adams, refere Smiles, quando presidia um exame de meninas num colégio de Boston; “como criança tive toda a felicidade, que é dado a um ente conhecer, foi de ter uma mãe carinhosa, capaz de bem formar o coração de seus filhos, foi dela que recebi tudo em religião e em moral, todas as noções que predominaram em minha longa vida, e se não conseguiram realizar em mim o ideal da perfeição a culpa foi minha e não sua”.

Vede bem, que é preciso educar a mulher, para que ela possa transmitir a seus filhos uma moral sadia; os sentimentos bons não se incutem como a gramática na aula, ou o exercício militar na caserna. O grande Eça de Queiroz, tratando do sentimento religioso assim se exprime: “A mais pequena, a mais humilde, a mais pobre, a mais feia capela de qualquer aldeia, exerce sobre o meu espírito o prestígio profundo das coisas invioláveis. O aspecto do altar com suas imagens ingênuas, envolve-me numa atmosfera feita de inexprimível ternura e vaga saudade. Foi diante de uma altar assim que eu me ajoelhei em pequeno ao lado de minha mãe, que me cingia pelo ombro, ensinando-me a dizer em voz baixa trêmula de comoção, ao ouvido as palavras supremas, em que sua fé resumia os mais ardentes votos, que alguém fez a Deus, para que ele me tornasse corajoso e bom, resignado e feliz”. E note-se que era um ateu que falava, vede bem a profunda influência de uma mãe; iguais sentimentos não surgiriam na alma deste homem gigante entre os gigantes, se não fossem bebidos no fundo do seio materno; eduque a mulher, portanto, e ensine-lhe as duas grandes coisas, que no dizer de Kant, é dado ao homem conhecer, o céu estrelado acima da fronte, e o dever no fundo do coração.

* 1: Derivado do francês plombagine, significa grafite ou grafita. Talvez o autor quis se referir à cor escura das olheiras fingidas. É também grafado como plumbagina.

* 2: Palavra de origem castelhana, que significa graça, elegância, formosura, entre outras.

* 3: Langonha é uma substância viscosa e pegajosa. O derivado languoroso significa algo ou pessoa pegajosa ou melosa.

* 4: Cortesãs de beleza excepcional na sociedade grega, que prestavam favores de natureza sexual e, em troca, ao contrário das prostitutas, gozavam de prestígio nas comunidades gregas.

* 5: Da cor do açafrão.

* Fonte: Texto publicado na edição de 09 de maio de 1915 do jornal Cidade de Patos, do arquivo do Laboratório de Ensino, Pesquisa e Extensão de História (LEPEH) do UNIPAM.

* Foto: Tela de Mary Cassatt (Mãe e Filho – 1897) em artenarede.com.br.

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