PHILOSOPHANDO EM 1908

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FILOSOFOTEXTO: JORNAL O TRABALHO (1908)

Há occasiões na vida em que o homem não pode deixar de se tornar philosopho.

Não venho fallar-vos, leitor amigo, destas pequeninas cousas que já conheceis, que apesar de precisarem de uma certa dose de philosophia, o homem vai tolerando como contrariedades communs; por exemplo, o individuo que volta do trabalho com bom apetite e encontra o jantar comido pelo gato; o individuo que estando em um baile a dansar uma valsa, larga o salto da botina no meio da sala; aquelle que passando deante da casa da namorada, escorrega em uma casca de manga, leva um formidavel tombo, esfola o nariz e rompe as calças deixando ver partes hirsutas; tudo isso são pequeninas frugalidades, que o homem se consola pensando que entre os dias desgraçados la vem um mais infeliz.

Há occasiões na vida porém, em que o homem é preciso se tornar philosopho; que me dirão os leitores do individuo que entrando em casa encontra a sogra desancando a pau o seu melhor cavallo de sella, só porque o mesmo lhe estragou um pé de couve, dirão naturalmente que é preciso ser philosopho.

Que me dirão os leitores do pharmaceutico que depois de aviar uma receita com todo o cuidado, quando se prepara para engarrafar os remedios, chega um grupo de moças e lhe enche o gral de agua cheirosa, perdendo, pesados, medicamento e tudo! Que me dirão os leitores, do individuo que indo por uma rua é aggredido por um cachorro que depois de lhe estraçalhar o guarda chuva se prepara para lhe ir ás canellas, corre, entra em uma casa e fecha a porta, e depois é perseguido pelos donos da casa com o grito de pega o ladrão! Que me dirão os leitores do individuo que viajando em um bello cavallo passa deante de sua invernada e observa uma besta bonita, para, e resolve trocar o cavallo pella besta, e depois de viajar uma légua descobre que a besta está hervada! Fica portanto, demonstrado que o homem deve ser sempre philosopho.

É philosopho o medico quando depois de perder o doente, tem de apresentar uma conta avultada; é philosopho o advogado, que depois de muito fallar, a parte fica na cadeia; é philosopho o estudante que foi reprovado e vem enfrentar a carranca do pai; é philosopho o boiadeiro, que vai ao sertão e o gado morre todo no caminho; é philosopho o negociante que vai ao Rio fazer sortimento e é roubado pelos gatunos.

Ninguem vive sem grande dose de philosophia, e aquelles que não philosopharam na vida, tem de philosophar na morte, porque ninguem ha de sair desta vida damnado.

* Fonte: Texto publicado na edição de 15 de março de 1908 do jornal O Trabalho, assinado por D. Quixote, do arquivo do Laboratório de Ensino, Pesquisa e Extensão de História (LEPEH) do Unipam.

* Foto: Pt.dreamstime.com, meramente ilustrativa.

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