Criado o distrito de Santo Antônio da Beira do Paranaíba, contratado o padre, iniciada a construção da capela (1838), era geral a satisfação dos paranaibanos. Enquanto isso, Sant’Ana da Barra do Espírito Santo, elevada a distrito em 1832, caminhava para a decadência.
A situação santanense é pintada por seus próprios homens. O juiz suplente, Francisco de Paula Gomes relatava, em janeiro de 1832, à presidência da Província: “Não temos uma escola particular neste Distrito, donde resulta crescerem homens que se tornam insociáveis, pela falta de conhecimento dos primeiros rudimentos de literatura. Isto, senhor, em nenhum Estado, paupérrimo de civilização, tal qual o nosso solo brasiliense, clara aos céus”. Fica registrada a coragem do magistrado santanense. Outro santanense, o Juiz de Paz Luiz Alberto Duarte de Albuquerque, a 14 de setembro de 1836, oficia ao Governo: “Esta povoação se compõe de dezoito casas habitadas e as demais vazias, e o círculo do Distrito quatro engenhos movidos por bois”.
Por outro lado, Santo Antonio da Beira do Paranaíba contava 806 habitantes em 1834. Podia não contar com muitos braços escravos, porém, a fertilidade de suas terras compensava, em muito, a falta do elemento humano. Um fato normal veio alterar o sossego dos paranaibanos. A elevação do Julgado de São Domingos do Araxá à categoria de Vila, em 13 de outubro de 1831. Instalado o Município de Araxá, em 1833, o Distrito de Santo Antônio da Beira do Paranaíba passa a integrá-lo.
O descontentamento dos paranaibanos foi imediato. Não queriam pertencer ao novo município. Araxá tinha reputação de reduto de criminosos, desertores, prostitutas e vadios. A prostituição e a vagabundagem grassavam por toda parte. Cada vadio tinha uma amante com a qual dividia os frutos das suas patifarias. Entre as muitas versões que corriam sobre o nome do lugar, uma era dada pelos fora da lei. Facínoras e negros fugidos bazofiavam: “A gente foge pr’o sertão do ‘Ir-achá’”. (O sertão do vai procurar para ver se acha).
Durante muitos anos, os munícipes araxaenses aguentaram uma série de desmandos praticados por autoridades, vagabundos e criminosos. Em 1836, a situação chega a tal ponto, que o distrito paranaibano resolve lançar mão do recurso extremo: a volta ao Município de Paracatu ou o “expatriamento”, declarando-se independente de Comarca ou Município.
Em agosto de 1836, liderados pelo padre José de Brito Freire e Vasconcelos¹, quando a povoação já era um curato², os paranaibanos formalizam a sua reivindicação de passagem para o Município de Paracatu, em longa petição. A coleta de assinaturas foi iniciada em 18 de agosto de 1836. Em 22 de setembro, as firmas foram reconhecidas e em 26 do mesmo mês foi enviada à Câmara Municipal de Paracatu, que a remeteu ao Governo. Este comunicou a Câmara da Vila de Araxá. Em 20 de julho de 1837 o legislativo araxaense deliberou informar ao Governo “que era desconhecida a veracidade de alguns fatos relatados na petição dos paranaibanos, todavia não lhes parecia isso motivo suficiente para levar-se a efeito a desmembração pretendida”.
Notemos a quantas andava a coisa pública naquele tempo. O Ofício do Governo à Câmara do Araxá traz a data de abril de 1837. Três meses depois, a 20 de julho, a Câmara “deliberou informar”, mas só o fez (decorrido mais de um ano) a 30 de agosto de 1838. Então, o presidente era outro. Passaram-se mais quatro anos, e, em 1842, a Comissão de Estatística da Assembleia Provincial encerra o assunto, com o parecer nº 79: “A Comissão de Estatística examinando a representação dos povos do Distrito de Santo Antônio do Paranaíba, para se desmembrarem do Município do Araxá e serem incorporados ao da cidade do Paracatu, e os ofícios das Câmaras respectivas abonando e contestando a pretensão dos suplicantes, observa que estes se acham atendidos vantajosamente, com a recente criação da Vila do Patrocínio, a que ficaram pertencendo. Portanto, é de parecer que não é mister a pretendida transferência. Ouro Preto, Paço da Assembleia Legislativa Provincial, em 2 de novembro de 1842”.
O padre José de Brito deixa o lugar ao padre Manoel de Brito Freire³, em 1839. A lei 114, de 9 de março de 1839, criou a Paróquia de Patrocínio, ficando sob sua jurisdição a capela filial de Santo Antônio dos Patos (aqui desaparece, oficialmente, o nome Santo Antônio da Beira do Paranaíba. Continuaria a aparecer em alguns documentos, mesmo assim por pouco tempo). Assim, o padre José de Brito Freire e Vasconcelos, obediente ao Bispado de Pernambuco, deixou o Curato paranaibano, depois de ajudar a construir a capela, e de nela servir como Cura por muitos anos.
A rebelião do povo paranaibano é um acontecimento admirável. O minúsculo Distrito, recém-criado, com poucos letrados e muitos analfabetos, resolve enfrentar o Município sede, repudiando as injustiças.
* 1: Leia “José de Brito Freire e Vasconcelos: O Primeiro Cura”.
* 2 – Curato: Como a paróquia, também era um distrito eclesiástico, separado, independente da paróquia. Na verdade, o Cura tinha os mesmos poderes que os párocos. Com uma diferença: somente os párocos, provisionados, recebiam côngrua do Estado. Por lei, durante muitos anos, os párocos eram pagos pelo Estado, o qual, também, cuidava da construção, conservação e compra de alfaias para os templos. A quantia anualmente paga aos párocos, denominava-se côngrua. Só podiam recebê-la os párocos provisionados pelos bispados, e para tê-la em mãos exigiam-se certidões mensais, passadas pelas Câmaras Municipais, comprovando o desempenho de suas obrigações.
* 3: Leia “Manoel de Brito Freire: O Segundo e Último Cura”.
* Fonte: Domínios de Pecuários e Enxadachins, de Geraldo Fonseca.
* Foto: Imesa.org.br, meramente ilustrativa.