Aqui ao lado tem um vizinho que eu nunca vi em toda a minha ainda não longa existência. Também não sei em qual apartamento ele mora. Só sei que todo dia minhas paredes ouvem uma música daquelas de dor de cotovelo, coisas assim: − Morena, tem pena, mas ouve o meu lamento. Morena, tem pena, mas ouve o meu lamento. Tento em vão te esquecer, mas, ai, o meu tormento é tanto, que eu vivo em prantos, sou tão infeliz. Não há coisa mais triste meu benzinho, que esse chorinho que eu te fiz¹. Essa música me traz um sentimento de pena, não pelo sujeito que ouve, mas por mim mesma, por estar presenciando a mudança radical na Cidade. Mesmo tendo ciência de que não sou infeliz, mesmo assim sinto pena de mim por saber que a estrutura física da Cidade vai mudar totalmente com o passar dos anos. Por aqui² já é uma realidade tão grande que a sensação que sinto a cada vez que as palavras daquela música me chegam é que não há coisa mais triste que saber que um dia nenhuma das casas sobreviverá. Para o progresso, tanto faz uma supimpa como eu ou um casebre. O progresso não escolhe, não perdoa história, não perdoa nada, derruba tudo o que existe através dos tempos. Aí, lá na frente, tudo o que substituiu o antigo será substituído novamente e assim até a chegada do Apocalipse. Nessa altura do campeonato, já estarei presente na História de Patos de Minas, pronta para partir, quando deixarei saudade!
* 1: Da música “Lamento”, de Vinícius de Moraes e Pixinguinha.
* 2: O imóvel localiza-se na Avenida Paranaíba, entre as Ruas José Rangel e Barão do Rio Branco.
* Texto e foto (02/12/2023): Eitel Teixeira Dannemann.