Houve um tempo, e isso faz muito tempo, mas não tão tempo assim para dizer que era no início do século 20. Era um tempo mais adiante, lá por volta da década de 1960, quando a hoje Praça Sete de Setembro (Cristavo) era conhecida como Praça da Antena, por causa de uma dita antena da Rádio Clube de Patos. Alguns metros antes, no final da Avenida Brasil, dois amigos na faixa dos 50 anos, Godofredo e Valmir, eram vizinhos e ambos carroceiros, naquele tempo perdido no tempo em que na Cidade, carroça era um dos mais requisitados meios de transporte para uma infinidade de tranqueiras. E assim, os dois criavam as respectivas famílias sem luxo, mas sem carências essenciais.
No quesito lazer, os dois amigos amavam pescar. E com o Rio Paranaíba tão perto, naquele tempo em que a via até a antiga ponte era apenas uma estrada e o antes glamoroso curso d’água não era poluído e nele fisgava-se Surubim de mais de 40 quilos, dia sim e outro também, na tardinha antes do anoitecer, lá iam os dois praticar o esporte favorito.
Cada um com sua capanga no ombro, ambas cosidas pelas respectivas esposas, e nela uma garrafinha de pinga, um cadiquinho de carne seca e dois pães, linha de nylon, anzóis, chumbadas, sacola para os peixes, canivete e lanterna, pois esta era fundamental, pois sempre voltavam quando já era noite. E, claro, as varas de pesca.
E isso já acontecia há muitos anos. Certa vez, a esposa do Godofredo ficou gravemente enferma no Hospital Regional. Depois de duas semanas de tensão, ele, tremendamente católico, considerou que seria importante fazer uma promessa séria. Então, foi até a Igreja Santa Terezinha e lá prometeu: se a Maria José, a esposa, se curasse, ia parar de beber. Solidário com o amigo, e para reforçar mais ainda a amizade dos dois, também prometeu parar de beber. Uma semana depois, Maria José estava sadia novamente e de volta aos afazeres domésticos. Em agradecimento, uma vez por semana durante a missa de domingo, os dois amigos faziam questão de louvar a Santa.
Promessa feita, lá se foram dez anos de promessa cumprida, arduamente, sofrível, diga-se de passagem. Até que um dia, em mais uma das tradicionais pescarias das tardes, o Godofredo reparou que o Valmir estava com duas capangas:
– Uai, sô, praquê duas capangas?
– Nessa aqui, os apetrechos e uma garrafa de pinga.
– Pinga, Valmir? Ora, sô, e a nossa promessa?
– Godofredo, já faz tanto tempo, né, e ocê sabe muito bem que de uns tempos pracá tem aparecido muita cobra. Aí, vai que uma cobra pega nóis dois, e aí a gente passa a pinga na picada pra anulá o veneno e a gente bebe o resto pra pinga anulá o veneno no sangue.
– É, tem sentido, e acho que a Santa Terezinha vai entender. Mas o que tem na outra capanga?
– Sabe como é, né, Godofredo, vai que hoje não aparece cobra pra picar a gente. Aí, tô levando uma como garantia.
Lá foram os dois na maior felicidade!
* Texto: Eitel Teixeira Dannemann.
* Foto: Montagem de Eitel Teixeira Dannemann sobre foto publicada em 25/02/2020 com o título “Palacete Mariana na Década de 1960”.