SOFRIDO AZARADO, O

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Vida dura era a do finado Geraldo, marceneiro de mão cheia que trabalhou muitos anos numa fábrica de móveis localizada à Rua Gabriel Pereira até que conseguiu abrir o seu próprio negócio. Que ia de vento em popa até que uma pequena nuvem cinzenta se formou acima de sua cabeça e o dia-a-dia do homem se transformou numa sequência de azares a ponto de afetar seu relacionamento com a esposa e o casal de filhos já adolescentes.

Então ele danou a beber. Todos os dias passava no boteco do Jaiminho, três quarteirões de onde morava no Bairro Várzea, se amoitava numa mesa no fundo do estabelecimento e lá, solitário, metia a cara na cachaça até pelas nove da noite. Chegando em casa o discutir relação era inevitável. Certa vez, chegou alguém que lhe devia há muitos anos e não deu outra: discussão. Felizmente não passou de agressões verbais, mas o inadimplente não gostou nadinha de ser cobrado na frente dos outros. E guardou aquele rancor.

E a vida do Geraldo foi se complicando, ele, tão fraco emocionalmente, não estava conseguindo se safar daquela situação. Então veio a depressão, profunda depressão, e tome cachaça. Certa noite, mais depressivo do que nunca, lá estava ele como de costume no fundo do bar. De repente, bêbado, cambaleando, chegou o inadimplente. Quanto viu o Geraldo, foi até ele, pegou o copo cheio de pinga e numa talagada só, mandou goela abaixo. O Geraldo levantou a cabeça, fez um gesto negativo e somente cuspiu essas palavras:

– Sou mesmo um azarado, nem isso consigo!

O inadimplente, surpreso com a serenidade do inimigo, retrucou:

– E aí, Geraldo, você é mesmo um poltrão, eu bebo a sua pinga e você não tem coragem de reagir?

E o Geraldo, mansamente:

– Esse meu azar não tem fim; estou totalmente falido, devendo um dinheirão; meus filhos não querem nada com a vida, dois vagabundos; semana passada roubaram meu carro que não tinha seguro e agora há pouco fiquei sabendo pelo meu melhor amigo que a minha mulher está me traindo já faz um ano com o meu primo. Aí venho aqui para o meu cantinho, ponho veneno na minha pinga para suicidar, chega você, toma a minha pinga e, ô azar, nem suicidar eu consigo.

Dizem que o homem, levado imediatamente ao Hospital Regional, conseguiu se salvar. E o Geraldo, com aquela vida miserável, um mês depois, sofreu um ataque cardíaco fulminante, chegando ao fim tanto sofrimento.

* Texto: Eitel Teixeira Dannemann.

* Foto: Montagem de Eitel Teixeira Dannemann sobre foto publicada em 28/02/2013 com o título “Prefeitura em 1916”.

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