JOGATINA EM 1913

Postado por e arquivado em ARTIGOS.

TEXTO: JORNAL O COMMERCIO (1913)

Uma tarde d’estas fazia eu o meu passeiozinho costumeiro, quando, em um dos arrabaldes da cidade, encontrei-me com um meninote de seus 10 para 12 annos de edade, todo maltrapilho e sujo, olhos encovados e tez esverdeada. Ia elle com um saquinho muito ensebado às costas e um vidro de pinga em um dos bolsos das calças.

Perguntando-lhe o que andava fazendo, respondeu-me que tinha ido à villa arranjar um pedaço de rapadura e uma meia para seus paes e irmãos que até aquella hora talvez, ainda estivessem só com o tira-jejum.

Excitado pela curiosidade de conhecer o modo de vida daquelle pequeno e de sua familia, continuei a fazer-lhe diversas perguntas que elle, sem malicia, foi me respondendo.

Vim então a saber que elle era um dos sapeadores de casas de jogos.

Sapeadores, bem o sabeis, são pessoas que, embora não estejam jogando, ficam em torno das mesas olhando o jogo e, muitas vezes, a espera que algum jogador lhes mande fazer alguma coisa, dar algum recado, etc.

De manhã, vai elle para a casa de jogo e por lá fica até a tardinha (quando por lá não passa a noite), aproveitando o cafezinho com quitanda, o resto de algum copinho de… qualquer coisa dos jogadores, e, por um recadinho que dá, ganha uma ficha que, ás vezes quando aconteça ella (…) com fortuna, ganha o bastante para levar algum tremzinho mais avultado para casa.

Naquelle dia, o nosso heroe só tinha ganho $500 para ir á cada de F… dizer á mulher d’este que não sabia a hora que elle ia simbora, porque estava querendo desforrar o que estava perdendo desde madrugadinha.

Os paes d’aquelle infeliz, não tendo disposição para o trabalho, viviam, como se dizem, na cacunda do filho, e só quando o officio d’este não dava, e quando a fome lhes apertava, é que iam pescar ao rio, a fim de satisfazerem, mais ou menos, as exigencias de seus estomagos.

E assim viviam, a custa de… sapeações.

Isso é inverosivel, seu I’spes! Isso é caçoada, seu E’spis! Estàs contando broca, seu I’spes! Dirão uns e outros.

Parece mesmo incrivel, esta historia; mas garanto-lhes que ella é tão verdadeira como o proverbio hespanhol que sabiamente diz: Vivei com os lobos e apprendereis a uivar.

Sim. Vivei com os jogadores e apprendereis todos os vicios.

Apprendem-se a beber, pois, não se jogam sem ter ao lado qualquer bebida alcoolica.

Apprendem-se a fazer truce, patotas, trapaças, pois, o jogador de tudo lança mão, para fazer passar para o seu bolso o rico dinheirinho do parceiro.

Alli apprendem-se a desprezar a familia, a lançar no olvido todas as obrigações, tudo o que deve prender o homem a seu lar.

Honra, dignidade, são sentimentos que o jogador deixa ao limiar, quando entra na casa de jogo.

Para o jogador a sua esposa carinhosa e seus filhos pequeninos, valem menos que uma carta de baralho, que uma bola de roleta.

Que importa para o jogador a saúde, comtanto que elle viva, noite e dia, ao lado de seus parceiros, a ouvir o tilintar das fichas, a dizer palavras deshonestas, a ouvir e dizer insultos e ballões, por entre as exhalações de bebidas ingeridas e já fermentadas!

O que importa o resto do mundo, si naquelle panno verde elle tem o seu lar, a sua alma, o seu Deus!

Todos, a uma, dizeis que não! Entretanto o que fazem certos paes de familia que consentem que seus filhos (…) vicio!

O que fazem esses paes que, inconscientes de seus sagrados deveres, não chammam á ordem os seus filhos, não os castigam até, para afugentarem-lhes do pernicioso contacto dos jogadores, para afastarem-lhes do máu exemplo?

Quem poupa a vara odeia a seu filho, dizia Salomão, mas, quem o ama apressa-se em castiga-lo.

Pense cada um sobre a grande responsabilidade que tem perante Deus e a sociedade, se descaçar da bôa educação de seus filhos.

Spes.

* Fonte: texto publicado com o título “Palestra” na edição de 19 de outubro de 1913 do jornal O Commercio, do arquivo da Hemeroteca Digital do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba, via Altamir Fernandes.

* Foto: Dois primeiros parágrafos do texto original.

Compartilhe