VISITA DE CARMO BERNARDES, A

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TEXTO: CARMO BERNARDES¹ (1984)

Com a estória de ter saído o meu romance NUNILA, o Paulo Dias Araújo e o professor Antônio de Oliveira Mello inventaram de me levar a Patos de Minas, de onde meu pai e minha mãe vieram me trazendo com cinco anos de idade. O professor mandou buscar cem livros aqui, passou-os aos alunos do Colégio Estadual lá, dos Patos: que eles lessem e respondessem itens de um questionário valendo nota.

Disseram então − o Paulo e o Professor − que eu tinha que ir lá e ter uma conversa nas classes, com os estudantes, inventando que eles desejavam me conhecer. Ando meio acalcanhado, sem condições de fazer gastos, mas o Paulo, que sempre me ajuda nessas horas que a macaca me amonta, insistiu que eu tinha que ir, não me vexasse, deixasse o barco correr por sua conta. Deu a sopa no mel, porque sempre tive muita vontade de conhecer a terra de meus pais, e no princípio da semana passada fomos.

Estou pensando que chego lá, vou me arranchar numa pensão, tenho que telefonar para o professor Oliveira Mello, ele vir ter comigo, me levar ao dito colégio “Professor Zama Maciel”, eu contar minas potocas aos seus alunos e assunto encerrado. Daria a ele meus agradecimentos, me colocaria ao seu dispor aqui em Goiânia, e arrepiaria a batida de volta. Pensava assim, não por julgar que a gente de Patos fosse graúda a ponto de não enxergar a figurinha mequetrefe que realmente sou. É que só a coisa de eu ser lembrado pelo professor Mello e pela senhora Diretora da Escola “Prof. Zama Maciel”, já me deixaria desvanecido e prodigamente recompensado.

Qui nada… Não me deixaram cair no chão!…

Paulo toca para a residência do Professor, fui calorosamente acolhido por sua família, o Teotônio, sogro dele, estava lá e nós tampamos na prosa, a dona da casa, Professora Nilce que me mostrou um quarto, que eu tomasse conta dele e ficasse à vontade, e como num passe de mágica, o casal quebrou imediatamente o meu acanhamento de bicho malamansado. Telefonemas cruzaram a cidade, com pouco a mãe da nossa Márcia aqui da Cultura Goiana já me esperava na casa dela, chega a Martha, Diretora do Dpt.º da Cultura do Município, traz um recado do jovem Prefeito de lá, Arlindo Porto Neto, cujo nome do avô meu pai não tirava da boca, porque era seu companheiro da cidade, que a Prefeitura me oferecia um jantar, e eu fiquei pensando assim: “ah, meu Deus… vou dar fiasco! Não conheço as regras do protocolo, vou me embatucar e se for preciso dizer discurso, estou no mato sem cachorro!”.

Coisa nenhuma! Tudo transcorreu na maior simplicidade. Arlindinho tinha sido chamado a Belo Horizonte, foi e me mandou dizer que voltaria no dia seguinte, e que seu pai Zizico Porto, e sua mãe, fariam as vezes dele junto a mim. Conheci o vice Prefeito², com quem conversei muito, e soube por sua boca que a Prefeitura de Patos não deve um tostão a ninguém; paga o funcionalismo em dia, sem atraso; o programa de obras no município está com os cronogramas adiantados de até dois meses, e que a cidade sofre apenas os reflexos da crise, mas internamente não conhece crise nenhuma.

Martha foi de uma gentileza de me deixar desvanecido; conheci e admirei a vivacidade da Delegada do Ensino, senhora de um gentilíssimo cidadão, funcionário do Banco do Brasil, de forma que voltei amando do fundo do coração a terra de meus ancestrais. Por intermédio do professor Oliveira Mello que, junto com o nosso Paulo Dias Araújo, me proporcionou esse enorme prazer de conhecer tão boa gente, quero levar ao povo de Patos a segurança da minha estima, e sobremaneira, os meus agradecimentos pela maneira gentil com que fui recebido na sua bela cidade.

Agora vem a surpresa maior, vem a satisfação de uma viagem sentimental, pela qual suspirei a vida inteira. Martha colocou à minha disposição um automóvel com motorista, e Zizico Porto me levou a rever a Capelinha de Santa Rita, onde recebi sal do batismo, na afastada era de 1915. Lá está ela, bucólica e silenciosa, chantadinha no meio do campo, no cimo da encosta em cujo pé corre o Ribeirão Santa Rita³, onde peguei o primeiro peixe na minha vida, fazenda do meu avô Quim Bernardes, com um cemitério ao lado, que não vem do meu tempo. A única diferença que notei naquela capelinha de esteios lavrados há beira de um século, pelas mãos do meu avô, é que a porta de entrada fora mudada de uma testada para a outra. Tive uma comoção muito grande, de não poder contar as lágrimas, quando identifiquei o túmulo do meu parente mais próximo que lá ficou, dono da fazenda onde nasci: João Joaquim da Rocha, falecido em 1974.

Dali, de junto da capelinha, onde muitas vezes fui levado nos braços de minha mãe para beijar a pequenina imagem de Santa Rita, lancei o meu olhar embevecido pelo lançante abaixo, e senti que a paisagem era surpreendemente a mesma de sessenta e cinco anos atrás. Me pareceu até que os trilheiros, por onde palmilhei em menino, sobre os quais amarrei vassoura e dei um tombo na minha avó Celestina, ainda são os mesmos.

Não tenho palavras para agradecer às pessoas que me proporcionaram a inefável ventura de rever os meus pagos, as querências do meu pai e de minha mãe. De volta com uma imensa saudade ouço deles os suspiros do amor à terra.

* 1: Leia “Carmo Bernardes”.

* 2: Leia “Aldo Lino Silva”.

* 3: Comunidade de Santa Maria, no Distrito de Chumbo (Areado).

* Fonte: Texto publicado com o título “Uma Viagem Sentimental” na edição de 29 de junho de 1984 do jornal Diário da Manhã (Goiânia) e republicado no n.º 96 de 31 de julho de 1984 da revista A Debulha, do arquivo de Eitel Teixeira Dannemann, doação de João Marcos Pacheco.

* Foto: Opopular.com.br.

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