– Juvenal, você acaba de se dar mal e já está pensando em aprontar outra pra ela?
– Entenda uma coisa, amigo, a mulher está uma fera comigo. Se eu não fizer alguma coisa, meu inferno astral dentro desta casa vai aumentar.
– Juvenal, se sua vida é esse inferno astral, já passou pela sua cabeça se separar?
– Um monte de vezes, amigo. As oportunidades se apresentaram e eu não tive coragem de largá-la. Agora, com três filhos, é difícil.
– Sei não, posso estar errado, mas esse negócio de filho não segura casamento.
– É, mas eu não teria coragem de sair de casa agora e morar longe de meus filhos. O que eu preciso é me impor à Filomena. Por isso, caro amigo, tive uma ideia brilhante. Coragem, amigo, esta é a palavra chave.
– Coragem é a palavra chave, né? Pois é justamente isso que falta a você. Tem dó, Juvenal, você caga de medo da mulher e vem me falar em coragem?
– Presta atenção, Marcelo, o negócio é o seguinte: vou simular um assalto e…
– Como é que é? Simular um assalto? Você pirou de vez.
– Peraí, Marcelo, deixa eu terminar. Vou chamar a Filomena para darmos uma caminhada, como estamos fazendo agora. Aí, de repente, aparece um cara armado para nos assaltar. Num gesto de muita coragem, eu enfrento o cara, que sai correndo. A Filomena vai ficar bestificada com a minha coragem e vai cair nos meus braços. Tenho certeza de que depois disso ela nunca mais vai me dar ordens. Simples, não?
– Pena que aqui em Patos de Minas não tenha sanatório.
– Uai, pra que?
– Pra te internar imediatamente.
– Ora, pare de brincadeira, Marcelo.
– Pare de brincadeira digo eu. Ficou louco, rapaz? Onde já se viu simular um assalto para provar macheza para a mulher? Sei não, estou precisando parar de andar contigo, sabe-se lá se loucura pega.
– Marcelo, você é ou não é meu amigo? Se é…
– Sou muito seu amigo, por isso estou dizendo que você ficou louco. Sou tanto seu amigo que te ajudei na armação da quermesse. E no que deu? Todo mundo vendo sua mulher de bunda de fora. E no que deu? Todo mundo vendo a calçola da tua mulher. E agora vem você com essa de simular um assalto e ainda por cima imaginando minha ajuda. Tô fora!
– Pode ficar tranquilo, Marcelo, nessa você não vai participar diretamente.
– Como assim não vou participar diretamente?
– Eu preciso que você…
– Num vem, Juvenal, não vou fazer nada. Você está é pronto para cometer outra loucura.
– Pode até ser outra loucura, mas vou fazer. Marcelo, se eu não arrumar um jeito de mostrar à Filomena que sou corajoso, mesmo que sendo armação, eu vou sofrer muito nas mãos dela.
– Poxa, cara, separa logo e fique livre disso tudo.
– Já disse que isso não vou fazer agora, principalmente por causa da Rosinha.
– Então quer dizer que não tem jeito, você mais mesmo fazer esta doidice?
– Já me decidi.
– E quem vai ser o ator para representar o papel do bandido?
– Aí é que entra você para me ajudar. Precisa ser alguém que eu e a Filomena não conhecemos, como um de seus primos lá do Leal. A sua ajuda será justamente arranjar a pessoa para fazer o serviço, só isso.
– Juvenal, você acha que algum primo meu do Leal vai querer fazer um troço desse?
– É só fingir, só isso, trem fácil demais da conta.
– É, não tem jeito, mas não conte comigo.
– Peraí, Marcelo, cadê o meu grande amigo?
– O seu grande amigo está tirando o time. Tchau!
– Peraí, Marcelo, não faça essa sacanagem comigo. Eu te prometo por tudo quanto é mais sagrado nesse mundo que é a última armação que vou aprontar pra cima da Filomena.
– Mas num vou mesmo.
– Marcelo, Marcelo, por favor, você é meu melhor amigo, só mais essa vez, vai.
– Santa misericórdia!
– Por favor, amigão, só mais essa vez.
– Juvenal, faz um favorzinho para mim?
– O que você quiser.
– Me interna agorinha mesmo numa cela do Satirão.
– Sem brincadeiras, Marcelo. Vamos, diga que vai me ajudar, diga, por favor.
– Tá bom, tá bom, mas preste muita atenção, meu caro Juvenal, é a última vez que faço uma coisa dessas pra você, ouviu bem? Nunca mais me peça para te ajudar nessas tuas doidices. Está muito bem claro?
– Claríssimo, amigão. Vem cá…
– Para com isso, Juvenal, sem agarramento, por favor.
Mesmo não concordando com a maluquice do amigo, Marcelo foi até o Leal e convenceu um de seus primos a representar o papel de assaltante. A trama seria simples. Juvenal e Filomena iriam dar uma caminhada. De repente, surge o bandido com uma arma – obviamente de brinquedo, é claro, mas daquelas bem convincentes que parecem de verdade – e anuncia o assalto. Filomena, desesperada, cai em prantos enquanto o heroico marido parte para cima do bandido. Enquanto lutam, um tiro é disparado – obviamente, o revólver de brinquedo é daqueles que dá tiros de espoleta bem convincentes – e o assaltante sai em disparada fugindo da estupenda reação de Juvenal. Aí então, Filomena cai nos braços do marido, tremendo que nem vara verde, dizendo: − Meu Juvenal, você me salvou, você é um herói, meu homem, que coragem. Bem, a partir do acontecimento, tudo mudará na vida de Juvenal. Filomena enxergará que tem um verdadeiro homem dentro de casa, e viverão felizes para sempre, com ele, Juvenal, passando a dar as ordens em casa.
Manhã seguinte após a trama. Marcelo chega até a casa do amigo na Rua Duque de Caxias e encontra a filha Rosalva aguando o jardim.
– Bom dia, Rosalva. Uai, você não foi à escola?
– Fui não, seu Marcelo, é que o papai tá doente e…
– Uai, o que houve?
– Seu Marcelo, o papai quase morreu ontem à noite. Ele foi assaltado quando estava…
– Assaltado? Meu Deus do céu, cadê ele?
– Está lá no quarto.
Assustado, Marcelo adentra ao quarto do casal.
– Santa misericórdia, o que aconteceu contigo, homem?
– Marcelo do céu, que sufoco eu e o meu amorzinho passamos ontem. Mas esse homem aqui botou o bandido pra correr que você precisava ver.
– Mas, Filomena, o que aconteceu?
– O Juvenal vai te contar. Amorzinho, enquanto você conversa com o Marcelo vou preparar um chazinho de camomila, viu?
– Pô, Marcelo, que negócio é esse que você me aprontou?
– Mas Juvenal, eu…
– Esse seu primo é doido, sô, ele usou um revolver de verdade.
– Juvenal, eu…
– Olha aqui, depois que eu me recuperar vou lá falar umas poucas e boas para ele. Onde já se viu…
– Mas Juvenal, presta….
– Cara, ele atirou de verdade, onde já se viu isso? Eu poderia ter morrido. Esse cara vai ver só.
– Juvenal, Juvenal.
– O que é que foi, por que você está tão nervoso assim? Eu é que tenho motivo para ficar…
– Mas Juvenal…
– O que é, Marcelo, desembucha logo.
– Juvenal, minha Nossa Senhora da Abadia, o meu primo…
– Pô, Marcelo, aquele fdp não poderia ter usado revolver de verdade.
– Cala a boca, Juvenal, deixa eu falar. Eu vim me desculpar em nome do meu primo porque um contratempo o impediu de vir e ele mandou avisar que hoje è noite vem e…
– Como é que é?
– É isso, amigo, meu primo não veio.
– Seu primo não veio? Quer dizer então que o cara era assaltante mesmo? Ah!, minha nossa, oooooohhhhhhhhhhhh….
– Filomena, Filomena, Filomena, chame depressa o doutor que o Juvenal desmaiou.
* Texto: Eitel Teixeira Dannemann.
* Foto: Materiaincognita.com.br, meramente ilustrativa.