JERÔNIMO DIAS MACIEL: UM ANO DE FALECIMENTO/2 − PARTE 2

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Em quanto lhe não era dado ao generoso espirito effectuar concepções que successivas gerações tem deixado no esquecimento, tratava de melhorar o logarejo em que viera estabelecer-se; em 1874, por occasião da visita que a esta Parochia fazia o Revmo. Frei Paulino, muitos melhoramentos se delinearam, entre os quaes os mais notaveis são o Cemiterio, com uma capellinha; um chafariz publico, construcção esta que foi demolida, não sabemos por que, sem ser até hoje substituada.

A tudo isso, o venerável morto de 13 de agosto do anno passado prestou um auxilio indispensavel.

Assim, desde o inicio deste logar, e passo por passo em seu desenvolvimento, pairou sobre elle o espirito desse tão conhecido Major Jerominho.

Nem de outra forma poderia ser: por largos lustros foi quasi o único espirito cultivado desta vasta redondeza; o mais habil no interpretar e applicar as leis, o mais versado no conhecimento do direito, o melhor informado dos progressos, só elle poderia concorrer com quanto depende das luzes mentaes. Quando começaram a apparecer outros espiritos esclarecidos, já de justiça se lhe se conferira a palma de trabalhador do primeiro instante.

Quando foi proclamada a republica, Jeronymo Dias Maciel dirigia, si bem nos lembramos, a arrecadação das rendas de Patos, Carmo e Paracatú. Continuou de servir no posto em que o deixara a monarchia, até 1895. Por essa epocha já tinha sido organisado o regimem municipal em Minas. Entre nós foi autor dessa obra o Dr. Olegario Maciel. Entrando a funccionar regularmente esse regimen, Jeronymo Dias foi de novo chamado a occupar o posto de chefe do municipio, posto em que, desde então, se conservou até o dia de sua morte. E, chefiando a edilidade por quasi doze annos, caminhou na mesma linha recta que vinha percorrendo.

Sua orientação foi simples e a única sensata em nosso meio: economia estricta, fiscalisação severa e a mais integra defeza dos interesses publicos, para o que renunciou a sympathias e sacrificou amizades.

Com largueza de vistas, assentava logo um plano de desenvolvimento muito superior ás forças actuais da atual sociedade patense, mas ainda a sua probidade impediu-lhe a vereda aspera das aventuras administractivas.

Em vez de recorrer ao expediente dos emprestimos, que provou tão mal em outros municipios, seguiu o unico caminho que lhe indicava a dignidade das suas proprias concepções e o probissimo escrupulo com que sempre se houve para com administrados.

Não querendo sacrificar o Logar principiante ao arrojo de planos, que, aliás, considerava unicos dignos do nosso destino e potencial grandeza, seguiu com firmeza a outra via.

Por uma economia estricta, recolhia, todos os annos, um pouco de dinheiro ao cofre municipal; habilitava pouco e pouco a municipalidade a realisar melhoramentos definitivos.

Procedendo por essa forma, duvidamos que haja merecido a approvação, já não dizemos dos seus muitos e mal informados censores, mas ainda de proprios companheiros seus. Emtanto parece que o aspecto geral das finanças dos municipios do Estado, confere-lhe razão contra os adversarios do seu methodo.

Emquanto a regra foi o descalabro e é hoje a oppressão dos compromissos, em Patos, o dinheiro, que fora insufficiente para custear qualquer beneficio publico, digno desse nome, era recolhido, e hoje, ao par da relativa prosperidade privada, temos nos cofres municipaes avultadas quantias, sem carência de nenhum dos serviços indispensaveis ao nosso meio, cabendo ao municipio, ainda, invejável tradição de honestidade e trabalho.

A proclamação posthuma dessa suprema sancção dos fatos, deve ser para os zeladores do nome e dos titulos que lhes deixou, uma orgulhosa satisfação e um indizivel consolo para a magoa de o haverem perdido.

Alem disso a propria Camara decidira que se fizesse como de facto foi feito.

Em verdade, quando, em janeiro de 1895, recebeu o governo municipal, foi-lhe presente um relatorio assignado pelo sensato administrador, Sr. Major João Gualberto de Amorim, a quem esta terra devemos de relevantes serviços e no qual se lêm estas palavras:

“A canalisação da agua potavel desta cidade é serviço instantemente reclamado por toda a população, mas sendo muito dispendioso, torna-se impossivel effectual-o com os recursos ordinários.

Attendendo a isso e considerando a Camara que seria difficil levantar um emprestimo em condições vantajosas, deliberou formar um fundo especial para esse serviço dos saldos que se verificarem em cada exercicio.

Dentro em poucos annos a municipalidade estara habilitada a realisar esse melhoramento que provocará o agradecimento da população desta cidade”.

Em relação ao serviço de agua potavel, que só beneficiaria a cidade diretamente, foi cumprida a palavra habil do administrador, e o voto da Camara, cujo mandato expirou em 1895.

Jeronymo Dias Maciel, recebeu os cofres municipaes com 18.894$529. Deixou-os e os seus herdeiros os entregaram, com 53.000$000.

Não prejudicando a serviços indispensaveis, num canto remoto, aonde não chegaram as abundancias, mas permanecem a estagnação economica e a decrepitude da rotina, a progressão entre uma e a outra quantia acima, se pode dizer elevada, tanto mais quanto, pouco depois de assumir a administração começaram de decrescer as rendas municipaes.

Alem do serviço de canalisação, muitos outros havia a que por vezes fez allusão.

Centralizar, aqui, aperfeiçoando-o, o systhema de viação municipal, facilitar o transito com o estabelecimento de seguros logradouros, ligar esta cidade, por uma união municipal, ás suas irmãs visinhas, com estradas dignas desse nome, eram assumptos de sua meditação.

Felizmente, a viação ferro-viaria, que já desesperara, virá em breve trazer uma solução a parte daquella aspiração.

O destino não permittiu que elle legasse á cidade que, por assim dizer viu nascer, os melhoramentos materiaes de que carecia. Lamentamol-o.

Mas é certo que agiu firmemente no sentido de o fazer, e temos como certo que o seu bom senso conduziu a cidade, mais direito, ao ponto, em que está, de emprehender  consideráveis e reaes melhoramentos. E lh’o auguramos!

Como contribuinte de serviços á vida publica de sua terra, eis ahi o seu perfil.

Entretanto o que muito mais se diz ao coração, o que se deve guardar com adoração e veneração, é a memoria do que foi como homem, esposo e pae.

Foi pacifico e empregou a sua influencia e o seu saber em evitar e dirimir contendas. Foi caritativo e bom. Ninguem, jamais, lhe bateu á porta franca, pedindo razoavel auxilio, sem que fosse servido.

Por vocação, por necessidade e caridade, tendo já aberto pharmacia, exerceu a arte de curar. E, em vasta zona, ha de estar na convicção popular que conseguiu supprir a falta de soccorros. Fel-o com timidez, mas com consciencia e dedicação. Vimol-o em vigilias compulsando livros; vimol-o inumeras vezes sahir em soccorro de outrem.

Passou noites á cabeceira de enfermos, animou-os e consolou-os. Estendeu a mão aos pobres, assistiu-os e remediou-os muitas vezes.

Dispunha, com egual generosidade, dos thesouros da experiencia e do coração e ainda dos recursos materiaes que conseguia ajuntar.

Eram innumeros os seus devedores: de soccorros e serviços particulares eram quasi toda a cidade, de dinheiro eram centenas.

De uns recebeu, por vezes, rades ingratidões, de outros os seus herdeiros só hão de obter prejuizos. Si nós o dizemos, elle nunca fez a isso e menor referencia irritada. Não tinha coragem mesmo de fazer effectivo os seus direitos. Foi sempre, no que era delle, para com outro, a bondade, a condescendencia, a renuncia.

De outro lado, entretanto, era severo para comsigo e para com os seus.

Não gostava de dever, por que foram dinheiro de contado quantos papeis de credito houvera assignado, sem que supportasse, em suas responsabilidades, o desconto de um real.

E morreu pobre.

Quando a familia, que elle com tanta intensidade soube amar, lhe foi inventariar o espolio, achou apenas que se fosse apurar em dinheiro quanto lhe deviam, ficaria nadando em opulencia. Mas os papeis de creditos, os livros de commercio, as referencias em notas esparsas, que indicavam devedores por centenas, os mais delles mortos ou desconhecidos, exhonerados por prescripção ou insoldaveis, desilludem daquella pretensão, e em logar dos centenares de contos que representariam, não são mais que uma pouca de papel e uma carissima lição.

Eis ahi, nesse ponto, quem foi o Major Jerominho. Nem, por isso, deixou elle de gosar bem e de passear por essas ruas o semblante mais alegre: quando o velho Jerominho descia para a cidade, naquelle passeio matinal que fez durante trinta annos, a creançada da sua rua suspendia para elle os bracinhos roliços e abriam o rosto numa grande alegria, pois lhes sorria tanto o semblante do bom velho, que viam, sadias, rir com ellas, doentes, velar á beira do seu berço!

Tinha para todos uma palavra, uma chispa; sociavel, risonho, soube ter uma vida divertida; basta dizer que em solteiro (elle mesmo nol-o contava) gastou todos os sabbados, durante trinta annos, em bailes e folguedos.

E, apezar das irremediaveis magoas da existencia conservou a sua alegria até o ultimo momento. Quando, encostado á esprigueçadeira em que morreu, viu entrar o amigo que o aconselhara massas a quem não conseguia engulir líquidos, gritou: oh! o homem das massas! E riu como nos outros tempos mais meia hora depois morria, á tarde de 13 de Agosto de 1906.

Deixava a viuva com treze filhos; casara já edoso, foi um esposo modelo, e teve a satisfação de dar sempre a admirar o quadro de um lar absolutamente feliz, por que nelle só penetraram as turbações que a natureza faz á todos.

Amou sua esposa e amou exemplarmente seus filhos; teve por elles uma dedicação que não teme confrontos; esfouçou-se por educal-os , mesmo desse recanto longinquo.

Não lhe permittiram as circunstancias e o destino q’ acabasse a obra de educar que começou, e fora essa sem duvida a magoa que parece ter levado para o tumulo.

Tal foi o homem cujo passado hoje rememoramos.

Cremos fazer obra de justiça prestando-lhe esta modesta homenagem e, o “Trabalho” que tem por ponto de honra prestar a esta terra quantos serviços lhe estiver ao alcance, não duvidará em beber lições na vida bemdita do Major Jeronymo Dias Maciel.

* Fonte: Texto publicado com o título “Jeronymo Dias Maciel − Homenagem do Trabalho / O que deixar após si a memoria de uma vida nobre, deixa á posteridade uma fonte de bem inexgottavel. Samuel Smiles” na edição de 13 de agosto de 1907 do jornal O Trabalho, do arquivo da Hemeroteca Digital do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba, via Altamir Fernandes.

* Foto: Do livro Domínios de Pecuários e Enxadachins, de Geraldo Fonseca.

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